O SILÊNCIO SOBRE A RUSGA NOS
LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA
Maria de Lourdes Fanaia

De acordo com
Leandro Karnal, as propostas curriculares e a produção didática nos instigam às
reflexões sobre o ensino da História, pois alguns fatores interferem na
historiografia e na construção dos currículos escolares e do mesmo modo na
formação de profissionais de História.
Desse modo, a
ausência do tema Rusga nos livros didáticos, está associado com o ensino de
História nacional e regional bem como com a produção dos materiais didáticos
daí ser necessário primeiramente comentar sobre essas questões. A disciplina de
história surgiu no Brasil no século XIX, enquanto ciência e os objetivos de
seus conteúdos era enfatizar as tradições de um passado homogêneo, com feitos
gloriosos de célebres personagens históricos.
O propósito
era justificar a colonização portuguesa. Esta abordagem priorizava a historia
política factual, e os personagens como os escravos, mulheres, trabalhadores
pobres ficaram excluídas das páginas da historiografia. Já no século XX, o
ensino de história foi substituído em detrimento da disciplina de Estudos
Sociais, depois na historiografia brasileira prevaleceu uma abordagem marxista,
cujo objetivo do ensino de história era mostrar a estrutura economia do país.
Durante o período militar, as disciplinas de: Organização Social e Política
Brasileira (OSPB) e Educação Moral e Cívica misturou-se com os estudos da
História e com isso os conteúdos de História e de Geografia ficaram
descaracterizados. Somente na década de 80, com a História Nova, de modo geral,
houve então no ensino uma revolução, dessa forma, no ensino de História houve
deslocamentos: nas produções historiográficas, pelos variados temas e
abordagens, na metodologia do ensino o paradigma da história factual foi
abominado e ao mesmo tempo surgia uma difusão de cursos de licenciaturas plenas
de História e Geografia que até então prevalecia as licenciaturas curtas que de
certa forma comprometia com a formação de profissionais desqualificando o
ensino. Ou seja, a partir dos anos 80, houve um repensar historiográfico, no
campo da pesquisa surgiu o aumento de produções historiográficas especialmente
sobre a região mato-grossense, pois o parâmetro do ensino da história do Brasil
até essa década primava pelas regiões sudeste e sul do país (São Paulo, Rio
Janeiro e Minas Gerais).
A História
Nova permitiu também que a história regional/local e as experiências humanas
mato-grossenses fossem valorizadas ausentes das páginas dos livros didáticos.
Desse modo, reafirma-se que o ensino de história ao longo dos períodos históricos
desde o século XIX, ao final do século XX deixou de enfatizar a história
regional.
No entanto,
mesmo com essas mudanças ocorridas no ensino nos anos 80, pode-se dizer que nos
dias atuais essa problemática ainda tem continuidades. pois a história de Mato
Grosso e a produção de materiais da mesma ainda é uma indagação.
Entre as
deficiências do ensino dessa disciplina, destaca-se a carga horária reduzida
dessa disciplina no ensino médio no território de Cuiabá, á exemplo, em algumas
escolas públicas e privadas da localidade consta na matriz curricular uma aula
por semana.
Vale lembrar
que, analisando uma das escolas privadas da mesma localidade citada,
especializada no Ensino Médio, consta na matriz curricular da mesma, uma média
de quatro aulas por semana. Já no ensino fundamental de algumas escolas
públicas consultadas não consta a disciplina na matriz curricular.
Pode-se dizer,
que a problemática dessa não se resume somente na carga horária minimizada ou
na falta de material didático especifico, pois uma reflexão aqui levantada é:
de que modo o conteúdo é construído ou repassado para o aluno?
Ainda que, o
objetivo deste texto não seja apontar uma receita para melhor qualidade de
ensino dessa disciplina nos parâmetros curriculares nacionais elaborados pelo ministério
da educação, há indicações impreteríveis para que os conteúdos de história do
ensino fundamental e médio, sejam articulados: o passado com o presente, assim
também é relevante para o profissional enfatizar nas aulas de história o tempo
e espaço de qualquer grupo social. Enquanto profissional atuante na áerea de
história percebe-se que muitos alunos do ensino médio ou fundamental, ou mesmo
acadêmicos seja de universidades públicas ou privadas, apresentam debilidades
inigualáveis, desinformações e noções extremamente vagas, por vezes
desconhecimentos sobre determinados conteúdos como é o caso da Rusga que parece
ser algo exógeno no vocabulário do estudante e consequentemente do cotidiano
escolar.
Livros
didáticos e Rusga Os Parâmetros Curriculares (PCNs) explicitam a necessidade do
estudo sobre a história do cotidiano, e a identidade do aluno embora isso ainda
seja uma complexidade. Conforme consta nos Parâmetros Curriculares: Os estudos
da história local conduzem aos estudos dos diferentes modos de viver no
presente e em outros tempos, que existem ou que existiram no mesmo espaço.
No entanto, o
estudo sobre a história local no território mato-grossense é um paradoxo, longe
de abranger os objetivos dos Parâmetros curriculares.
Segundo Circe
Bittencourt, são enormes as deficiências apresentadas nas produções dos livros
didáticos do ensino de História e a História de Mato Grosso sendo ainda
silenciada nos livros didáticos só reforça o problema da historicidade dessa
região mais central da América do Sul como algo externo à realidade brasileira.
Nas produções
didáticas de História há temas da História do Brasil, como os movimentos
sociais ocorridos em variadas regiões do país na década de 1830. Entre os
movimentos constam: a Cabanagem (1832, Pará), a Farroupilha (1835, Rio Grande
do Sul), Sabinada (1837, Bahia), a Balaiada (1838, Maranhão) com exceção da
Rusga (1834, Mato Grosso). Esses movimentos sociais inclusive a Rusga,
eclodiram nas províncias também durante o período regencial, devido a
instabilidade política e formação dos partidos políticos que até então não
havia ainda no Brasil.
Para Sena, os
“movimentos provinciais e forças locais já ocorriam em diversas províncias do
país, a fronteira oeste do império também demonstrava seu potencial que poderia
ameaçar a integridade do país que se formava”.
A necessidade
da ordem previa restringir uma maior participação das camadas que, desde os
tempos coloniais estavam alijadas de uma maior participação, efetivamente
institucionalizada na política e nas esferas administrativas, desde os tempos
da colônia. Era a direção da ordem que se apresentava fundamental num momento
em que cresceram no Império em número as insurreições negras, as disputas pelas
terras, os levantes urbanos, a insubordinação da tropa e as diversas rebeliões.
De modo geral,
mediante insatisfação social a reação provocou os conflitos com participação de
várias camadas sociais, não somente envolvia a elite cuiabana mas homens livres
pobres, escravos, pequenos proprietários de terras.
Vale lembrar
que enquanto a Rusga fica como um fato inexistente na historiografia
brasileira, o conteúdo sobre a Farroupilha, além de estar nas páginas dos
livros didáticos é um episódio que ganhou visibilidades na mídia há alguns anos
atrás por meio de uma minissérie, é também um fato comemorado na região Sul do
Brasil, uma forma de manter a identidade e a memoria.
Observa-se que
o problema não reduz apenas a ausência do tema enquanto conteúdo do ensino de
história do Brasil, porém a invisibilidade da história de Mato Grosso, de modo
geral, na produção de materiais didáticos para o ensino médio e fundamental, ou
seja, faltam materiais didáticos ou paradidáticos.
Na região de Mato
Grosso são poucos os autores que focalizam o tema e mesmo sobre as produções de
materiais didáticos. Elizabeth Madureira e a autora Else Cavalcanti, além de
produzirem outros estudos historiográficos na década de 70 e 80, produziram
obras que reúne diversos aspectos da historicidade de Mato Grosso em diversos
tempos históricos. As autoras abarcam fatos históricos do século XVIII ao
século XX servindo de suporte para profissionais, que atuam nos Ensinos, Médio
e Fundamental. No entanto, muitos profissionais desconhecem as publicações.
Ressalte-se que uma das produções acadêmicas específica e mais recente sobre o
tema é de autoria de Ernesto Cerveira, que trata dos aspectos políticos antes,
durante e após o fato. Para esse autor, o tema Rusga permite mostrar a dinâmica
política na fronteira oeste do Brasil, com destaques para os partidos políticos
e as facções, bem como a atuação dos personagens políticos.
Pesquisando
juntamente com os alunos durante os estágios sobre a prática de alguns
profissionais que atuam em escolas públicas e privadas no ensino da História,
observa-se que alguns profissionais possuem uma visão mais crítica sobre o
problema em questão, elaboram o material, ou seja, reúnem e organizam os
textos, já que não existe um material específico. Outros profissionais não
possuem material devido à falta de conhecimentos sobre onde encontrar as
ferramentas necessárias, dessa forma obtém algumas informações pelos sites da
internet sem, contudo, contextualizá-las, justificando a falha do sistema
educacional. Isso significa que os conteúdos de História de Mato Grosso, por
vezes, são ainda repassados como fatos isolados e, portanto, simplificados. O
que se observa na prática pedagógica é talvez a necessidade de revisar,
repensar, sobre o conjunto de saberes que norteiam a comunidade escolar, a
começar pela matriz curricular.
Segundo Marcos
Silva, a construção de currículos culturalmente inclusivos incorporam tradições
culturais e sociais de grupos específicos, características econômicas e
culturais das realidades locais e regionais. Breves comentários sobre o fato:
30 de maio de 1834 em Cuiabá Uma das vertentes historiográficas mato-grossenses
caracteriza a Rusga como um movimento “nativista” ou um simples movimento da
província de Mato Grosso.
Em outras
vertentes historiográficas, a Rusga, em linhas gerais, tinha por finalidade
excluir os portugueses do território mato-grossense, devido ao monopólio que
detinham sobre a população no período regencial. Desse modo, temos a concepção
naturalizada de que, o movimento só eclodiu devido o monopólio dos portugueses.
Sobre essa questão cabe uma maior atenção.
A Rusga,
enquanto um fenômeno político brasileiro ocorrido em 1834, no Centro-Oeste do
Brasil, no período das regências, situava entre o discurso da centralização e
descentralização do poder. Esse conflito esteve ligado aos partidos políticos
que até então estavam emergindo no país e tais partidos políticos estavam
associados aos “liberais e/ou sociedades dos zelosos da independência ”e os
conservadores e/ou Caramurus”.
Os dois grupos
pretendiam obter o controle politico da província. Os liberais ou sociedade dos
zelosos da independência almejavam a expulsão dos portugueses e de alguns
estrangeiros também chamados de adotivos. Segundo Ernesto Cerveira a sociedade
dos zelosos intencionavam derrubar o governo da província, nesse caso, o alvo
não era os portugueses, pois brasileiros também ocupavam cargos políticos desde
o período colonial e compunham a elite cuiabana.
O mesmo autor
cita o presidente de província Augusto Leverger em que o mesmo afirma que não
era grande o numero de portugueses existentes na província não passando de
centena e meia em toda província mas muitos deles estavam ligados a atividade
mercantil e outros ocupavam cargos burocráticos. Quanto aos “caramurus ou
conservadores” queriam o retorno de D. Pedro I, que estava em Portugal para que
o mesmo continuasse como imperador do Brasil.
Elizabeth
Madureira, também defende que a partir dos dois grupos políticos eclodiu o
conflito. A autora Else Cavalcante, comenta que a Rusga não pode ser
considerada uma revolução porque não houve uma mudança estrutural na economia,
no social da província, foi um movimento social de reivindicação, isso porque a
província de Cuiabá passava por crise econômica, pagamentos de salários
atrasados, gerando ainda mais a miséria social.
Na época em
que ocorreu o episódio em 1834, o presidente de província de Mato Grosso era
Poupino Caldas, membro da sociedade dos zelosos administrou a província entre
maio e setembro de 1834. No entanto, Ernesto Cerveira afirma que não foi esse o
idealizador da sociedade dos zelosos, e sim Patrício da Silva Manso. Vale
lembrar que este governante, havia assumido cargo de presidente da província
dias antes do movimento ocorrer porque Correa da costa se ausentou do cargo. A
“Rusga” para Rubens de Mendonça, foi o movimento armado de 30 de maio de 1834,
denominada de “a noite de São Bartolomeu mato-grossense”, em que a massa
popular se agitava, o povo reclamava a retirada dos portugueses do solo pátrio.
Segundo Rubens
de Mendonça, o Coronel João Poupino Caldas assumindo o governo no dia 26 de maio
de 1834, quatro dias depois a 30 de maio, por volta das 11 horas da noite “se
ouviu tocar rebate de cornetas e caixas de guerras, tiros de arcabuzes, e
gritos de morram os bicudos. Na escuridão da noite apenas se ouviam barulhos de
machados e alavancas arrombando as portas dos negociantes adotivos ali
residentes”. O nome de bicudo era alcunha pejorativa que os cuiabanos davam aos
portugueses.
Conforme Else
Cavalcante, esse momento representou mais uma ocasião encontrada para os pobres
usufruírem de benefícios passageiros e extravasarem anseios e mudanças.
Para Elizabeth
Madureira, o movimento foi impulsionado não somente pelas elites, mas pelos
mulatos e crioulos. Esses últimos grupos sociais fora motivados por uma questão
racista, pois para a autora Madureira eles se sentiam inferiorizados diante da
cor branca, a quem chamavam os brancos de caiados. Os participantes do
movimento, também chamados de rusguentos pela historiografia, eram membros da
guarda nacional, escravos, e segundo Madureira, entre eles estavam os membros
da elite cuiabana. Segundo o caderno de memória do legislativo de Cuiabá,
produzido em 2002, na noite de 30 de maio uma multidão revoltada e enraivecida
que sob toque de tambores e cornetas, comandadas pela própria guarda nacional,
percorreram as ruas de Cuiabá, passando a atacar mortalmente os portugueses.
Esse fato se
passou em Cuiabá no campo D’Ourique, atualmente praça Pascoal Moreira Cabral,
onde situa a Câmara Municipal dos Vereadores. Tal movimento teve durabilidade
de aproximadamente quatro meses. Nessa noite, os participantes do movimento
arrombaram as casas comerciais, saqueando e matando os portugueses chamados de
“bicudos”.
Sobre isso,
Virgilio Correia comenta: “Pelas ruas até então silenciosas de Cuiabá,
propaga-se a anarquia desenfreada, em berreiro macabramente capadoçal, em que
se misturam o sinal de alarma, o estrondo de portas e janelas, o hino da
desordem, tiros e depredações das vítimas.” Cavalcante, enfatiza que os saques,
roubos e mortes são explicados mediante um contexto caótico com crises social,
econômica e política pela qual passava Cuiabá.
Os registros
documentais também contam que o bispo D. José, com o crucifixo nas mãos,
implorava o término da “carnificina”, pois esse movimento se deu em torno da
opressão que os portugueses exerciam nas camadas mais pobres das comunidades.
Desse modo,
para conter tal movimento, Poupino promoveu a dissolução da guarda municipal e
reorganização da guarda nacional. E também expediu guarnições a várias
localidades da província como, Serra acima, Rio baixo e Diamantino onde vários
portugueses foram mortos, esposas e filhas violentadas e os corpos proibidos de
ser enterrados, com orelhas cortadas e levadas para Cuiabá.
De acordo com
Ernesto Cerveira, Poupino Caldas até então expressava liderança contra os
portugueses porém no momento da manifestação da Rusga ficou contra os
participantes do movimento, aderiu à política central, inclusive prendendo
alguns na vila de Diamantino. Poupino e Pedro Alencastro fizeram uma parceria
para oprimir o movimento e desse modo acabou desagradando os companheiros que
até então estavam apoiando, acusado pelos rusguentos de traidor.
De acordo com
os estudos de Elizabeth Siqueira os cabeças do movimento eram: Pascoal
Domingues, Juiz de Direito em Cuiabá, Brás P. Mendes, Prof. de Filosofia, José
J. Carvalho, Promotor Público, Bento Franco de Camargo, Vereador da Câmara de
Cuiabá, Caetano Xavier da S. Pereira, bacharel em Direito, Vereador da Câmara
de Cuiabá e major da Guarda Nacional. Diante do fato o governo mato-grossense
estendia um mês de prazo para os fugitivos saírem da província, mas os líderes
exigiam que os bicudos escapos pelo primeiro assalto deixassem a província em
vinte e quatro horas. De acordo com Virgilio Correa Filho: Requisitavam a
remoção de todos os adotivos menores de 60 anos para fora da província, por não
convir que continuem no exercício de seus empregos civis ou militares, visto
que pelas provas que tem dado de inimigos declarados das nossas instituições se
achavam armados em suas casas, esperando a noticia da restauração do Duque de
Bragança neste império.
No relatório
do presidente da província Antonio Pedro Alencastro, que havia tomado posse em
setembro de 1834, consta que foram presos os cidadãos de posição social
responsáveis pela desordem social enviados à Corte pela navegação fluvial de
São Paulo. Assim diz o presidente: [...] depois do 30 de maio os cabeças de tão
horrorosos crimes tentaram pela segunda vez levar avante seus nefandos
desígnios tramando acabar com nosso sistema de governo monárquico
constitucional [. ..].são estigmatizados, surpreendidos e presos pelos cautos e
pacíficos cidadãos que indignados estão e reclamam o seu destino para fora da
província [...]. Como consequência do acontecimento da noite de 30 de maio, Poupino
foi criticado pelos zelosos, pela conivência com o governo central. foi
assassinado no ano de 1836, pois alguns dos que haviam sido presos no Rio
rearticularam-se e acabaram retornando, conseguiram habeas corpus. Como o
presidente de província Antonio Pedro Alencastro havia sido deposto, Poupino
ficou sem a força política resolvendo partir da região, mas antes de partir foi
assassinado. Segundo Taunay, a vítima pode sacar do bolso uma pistola, mas caiu
logo de bruços morto na calçada.
Como postula
Elizabeth Madureira: Vinha Poupino, nas visitas que estava fazendo, de chapéu
de chile e botas, aliás armado, como sempre andava. Sendo o dia de festividades
religiosa, segundo uns do Espírito Santo, o estrondear dos foguetes e o repique
de sino impediram que se ouvisse o tino homicida, dando ensanchas ao assassino
de se retirar incólume, depois de negra façanha. Ainda pode a vitima sacar do
bolso uma pistola, mas caiu logo de bruços morto na calçada. Nos relatos de
Moutinho se percebe outra visão sobre esse fato; este cronista era de
descendência portuguesa, segundo ele, na época os cuiabanos pouco se afeiçoavam
aos estrangeiros, aos portugueses dão nome de “bicudos” e aos filhos de outras
nações de “carcamanos” .
A carnificina
de 1834, é o ponto negro no Céu daquele torrão, e o pesadelo ainda de muitos
indivíduos, de cujas memórias o espaço de sete lustros não tem podido afugentar
as imagens de suas vítimas. A página em que se escrever a história desse
extermínio de portugueses será uma nódoa de sangue nos anais da província, e
jamais o tempo poderá apaga-la. Não tentaremos descrevê-la; apesar de sermos
portugueses, queimamos muitos documentos que diziam respeito aos negócios de
1834.
Ainda de
acordo com a historiografia mato-grossense várias foram as críticas sobre o
episódio, culminando em anedotas: Embarca bicudo, embarca canalha vil que os
brasileiros não querem Bicudos no seu brasil. Em suma, o foco central deste
estudo não foi apontar opiniões sobre as facções dos partidos políticos ou das
correntes ideológicas, mas tecer comentários críticos de como a produção
historiográfica mato-grossense justamente porque se encontra exclusa dos
conteúdos da história brasileira, longe dos temas contidos nos livros
didáticos, consequentemente do ensino de História fundamental e médio que ainda
mantêm suas fragilidades. Essa data histórica aqui apresentada não é também
enfatizada como algo célebre na historiografia matogrossensse, mas como parte
de um acontecimento nacional, de uma concepção de história e de certa forma a crítica
é talvez uma forma de o conteúdo adquirir visibilidade já que está silenciada
como tema da História do Brasil. De acordo com Circe Bittencourt, “cada data
traz um acontecimento muitas vezes invisíveis, pois nas datas podem surgir
outros acontecimentos relacionados a ela, mesmo que algumas não sejam
exclusivamente nacionais.”
Desse modo,
porque não falar do tema em estudo quando são apresentadas as rebeliões (Cabanagem,
Sabinada, Balaiada, Farroupilha) já que são movimentos sociais ocorridas no
Brasil numa mesma temporalidade? Alguns historiadores argumentam que os fatos
históricos são como as pontas do iceberg, pois em cada tempo histórico pode
conter outros acontecimentos invisíveis e como a Rusga não é e não deve ser um
fato acabado no discurso historiográfico, novos questionamentos podem emergir
diante do tema.
De acordo com
as breves considerações feitas sobre o conflito, o ensino da história e a
produção dos livros didáticos pode-se dizer que, as mudanças historiográficas
trazem novas indagações, inquietações polêmicas logo, as práticas do processo
ensino-aprendizagem precisam ser revisadas, ao invés de manter as
naturalizações como o silêncio sobre o conflito, que elas possam começar a ser
intermediadas pelas nossas práticas historiográficas, pois delas podem emergir
diversas problematizações.
Mediante
múltiplas produções didáticas que apontam conteúdos do ensino de História cujos
parâmetros da História do Brasil são estudos voltados apenas para as regiões
litorâneas, portanto, excluindo aspectos sobre a região mato-grossense, cabe a
nós, historiadores, o ofício de quebrar os paradigmas pré-estabelecidos e
repensarmos mais na nossa arte do fazer o ensino da História.
Para Selva
Guimarães a disciplina tem como papel central a formação da consciência
histórica dos homens, possibilitando a construção de identidades, a elucidação
do vivido, a intervenção social e a praxes individual coletiva.
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