terça-feira, 29 de setembro de 2009



Antonio Gramsci
O filósofo italiano atribuía à escola a função de dar acesso à cultura das classes dominantes, para que todos pudessem ser cidadãos plenos
Texto: Márcio Ferrari
Foto: Wikimedia Commons

Alguns conceitos determinados por Gramsci hoje são usadas no mundo todo

Frases de Antonio Gramsci: “A tendência democrática de escola não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante” “Todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais” Nascido em Ales, na ilha da Sardenha, em 1891, numa família pobre e numerosa, Antonio Gramsci foi vítima, antes dos 2 anos, de uma doença que o deixou corcunda e prejudicou seu crescimento. Na idade adulta, não media mais do que 1,50 metro e sua saúde sempre foi frágil. Aos 21 anos, foi estudar letras em Turim, onde trabalhou como jornalista de publicações de esquerda. Militou em comissões de fábrica e ajudou a fundar o Partido Comunista Italiano em 1921. Conheceu a mulher, Julia Schucht, em Moscou, para onde foi enviado como representante da Internacional Comunista. Em 1926, foi preso pelo regime fascista de Benito Mussolini. Ficou célebre a frase dita pelo juiz que o condenou: "Temos que impedir esse cérebro de funcionar durante 20 anos". Gramsci cumpriu dez anos, morrendo numa clínica de Roma em 1937. Na prisão, escreveu os textos reunidos em Cadernos do Cárcere e Cartas do Cárcere. A obra de Gramsci inspirou o eurocomunismo – a linha democrática seguida pelos partidos comunistas europeus na segunda metade do século 20 – e teve grande influência no Brasil nos anos 1970 e 1980. Co-fundador do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci foi uma das referências essenciais do pensamento de esquerda no século 20. Embora comprometido com um projeto político que deveria culminar com uma revolução proletária, Gramsci se distinguia de seus pares por desacreditar de uma tomada do poder que não fosse precedida por mudanças de mentalidade. Para ele, os agentes principais dessas mudanças seriam os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes, a escola. Alguns conceitos criados ou valorizados por Gramsci hoje são de uso corrente em várias partes do mundo. Um deles é o de cidadania. Foi ele quem trouxe à discussão pedagógica a conquista da cidadania como um objetivo da escola. Ela deveria ser orientada para o que o pensador chamou de elevação cultural das massas, ou seja, livrá-las de uma visão de mundo que, por se assentar em preconceitos e tabus, predispõe à interiorização acrítica da ideologia das classes dominantes. Ao contrário da maioria dos teóricos que se dedicaram à interpretação e à continuidade do trabalho intelectual do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), que concentraram suas análises nas relações entre política e economia, Gramsci deteve-se particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos de transformação histórica. Suas idéias sobre educação surgem desse contexto. Para entendê-las, é preciso conhecer o conceito de hegemonia, um dos pilares do pensamento gramsciano. Antes, deve-se lembrar que a maior parte da obra de Gramsci foi escrita na prisão e só veio a público depois de sua morte. Para despistar a censura fascista, Gramsci adotou uma linguagem cifrada, que se desenvolve em torno de conceitos originais (como bloco histórico, intelectual orgânico, sociedade civil e a citada hegemonia, para mencionar os mais célebres) ou de expressões novas em lugar de termos tradicionais (como filosofia da práxis para designar o marxismo). Seus escritos têm forma fragmentária, com muitos trechos que apenas indicam reflexões a serem desenvolvidas. A mente antes do poder
Hegemonia significa, para Gramsci, a relação de domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade. O domínio se caracteriza por dois elementos: força e consenso. A força é exercida pelas instituições políticas e jurídicas e pelo controle do aparato policial-militar. O consenso diz respeito sobretudo à cultura: trata-se de uma liderança ideológica conquistada entre a maioria da sociedade e formada por um conjunto de valores morais e regras de comportamento. Segundo Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”, isto é, de aprendizado. A hegemonia é obtida, segundo Gramsci, por meio de uma luta “de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política”. Ou seja, é necessário primeiro conquistar as mentes, depois o poder. Isso nada tem a ver com propaganda ou manipulação ideológica. Para Gramsci, a função do intelectual (e da escola) é mediar uma tomada de consciência (do aluno, por exemplo) que passa pelo autoconhecimento individual e implica reconhecer, nas palavras do pensador, “o próprio valor histórico”. “Não se trata de um doutrinamento abstrato”, diz Paolo Nosella, professor de filosofia da educação da Universidade Federal de São Carlos.

Acesso ao código dominante
O terreno da luta de hegemonias é a sociedade civil, que compreende instituições de legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindicatos e os meios de comunicação. Ao contrário do pensamento marxista tradicional, que tende a considerar essas instituições como reprodutoras mecânicas da ideologia do Estado, Gramsci via nelas a possibilidade do início das transformações por intermédio do surgimento de uma nova mentalidade ligada às classes dominadas. Na escola prevista por Gramsci, as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. A construção de uma visão de mundo que desse acesso à condição de cidadão teria a finalidade inicial de substituir o que Gramsci chama de senso comum – conceitos desagregados, vindos de fora e impregnados de equívocos decorrentes da religião e do folclore. Com o termo folclore, o pensador designa tradições que perderam o significado, mas continuam se perpetuando. Para que o aluno adquira criticidade, Gramsci defende para os primeiros anos de escola um currículo que lhe apresente noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e seus direitos e deveres de cidadão.

Elogio do “ensino desinteressado”
Uma parte importante das reflexões de Gramsci sobre educação foi motivada pela reforma empreendida por Giovanni Gentile, ministro da Educação de Benito Mussolini, que reservava aos alunos das classes altas o ensino tradicional, “completo”, e aos das classes pobres uma escola voltada principalmente para a formação profissional. Em reação, Gramsci defendeu a manutenção de “uma escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa”. Para ele, a Reforma Gentile visava predestinar o aluno a um determinado ofício, sem dar-lhe acesso ao “ensino desinteressado” que “cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo, liberta de toda magia ou bruxaria”. Ao contrário dos pedagogos da escola ativa, que defendiam a construção do aprendizado pelos estudantes, Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros anos de estudo, o professor deveria transmitir conteúdos aos alunos. “A escola unitária de Gramsci é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito do ensino profissionalizante, com o qual se aprende a operar”, diz o pedagogo Paolo Nosella. “Em termos metafóricos, não se trata de colocar um torno em sala de aula, mas de ler um livro sobre o significado, a história e as implicações econômicas do torno.”





fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/ acesso em 29/09/2009

domingo, 27 de setembro de 2009

O "partido anarquizador" e o jogo político em Mato Grosso (1840-1854)




Ernesto Cerveira de Sena*




No início do Segundo Reinado, a elite política de Mato Grosso era representada sobretudo por negociantes e fazendeiros, o que não excluía alguns de seus representantes terem patentes militar ou usarem batina. Essa elite era dividida em dois grupos. Um deles, que veio a se chamar Liberal, dominava a disputa partidária desde os anos 30 - quando foi formado -, vindo a perder sua hegemonia somente em 1850. Tal predomínio se fazia a despeito de terem como oponentes presidentes da província e leis centralizadoras. O governo central tinha cautela em confrontar os liberais, que por muitas vezes eram chamados de "partido anarquizador".
A formação desse grupo começou entre 1837 e 1838, quando foi presidente de Mato Grosso o bacharel Pimenta Bueno, que depois viria a ser o Visconde de São Vicente. Pimenta Bueno colaborou em formar esse partido para distinguí-lo de outras duas facções que existiam na província antes da sua chegada (1836); uma ligada aos políticos tradicionais de Cuiabá e a outra aos revoltosos de 1834. Este último grupo era composto por seguidores do negociante Poupino Caldas. Ele, juntamente com o médico Patrício da Silva Manso, tinha sido o cabeça de uma sociedade chamada Zelosos da Independência que combatia os antigos políticos de Cuiabá1 e preconizava a retirada de portugueses da província na primeira metade da década de 302. Essa posição política aliada ao descontentamento popular, agravada pela carestia, acabou desembocando na "noite de 30 de maio", depois conhecida por Rusga, na qual dezenas de portugueses e brasileiros foram mortos3.


O líder dos Zelosos tornou-se um colaborador do presidente Antônio Pedro de Alencastro que chegou ao Mato Grosso, ainda em 1834. Denunciou seus ex-colegas de facção pela culpa nos assassinatos no "30 de maio" e perdeu bastante força política. Com a troca de governante, assumindo a província Pimenta Bueno, Poupino foi assassinado por um de seus muitos desafetos, logo após ter sido intimado a deixar o Mato Grosso pelo presidente4.
O futuro visconde de São Vicente não procurou apoio nos antigos políticos de Cuiabá, como os proprietários Antônio Corrêa da Costa e André Gaudie Ley. Preferiu organizar o partido Liberal, contando com homens públicos de outros lugares da província, além da própria capital.
No início do Segundo Reinado, a bem sucedida articulação com as freguesias do interior fez com que o partido Liberal de Mato Grosso conseguisse e reafirmasse seguidamente a supremacia na Assembléia Legislativa, enquanto o partido Conservador conseguia concentrar seu poderio somente na capital. A Assembléia era o principal espaço para o exercício político dos homens públicos da província. Era um estágio avançado da carreira em Mato Grosso, pois, geralmente, um deputado provincial já havia passado por cargos como juiz de paz e vereador de câmaras municipais. Muitas vezes os cidadãos escolhidos para serem candidatos a deputado geral não eram os principais expoentes de seu partido. Antes demonstravam a força dos seus chefes partidários do que a sua própria habilidade em ser eleito.


A atual Praça da República (antiga Praça Bispo Dom Carlos), no último ano do século XIX. Vê-se o prédio ainda existente do Tesouro estadual e, à sua direita, o Quartel da Guarda Municipal, onde se passaram fatos do movimento da "Rusga". Esse quartel foi demolido, no século passado, e no local construído o "Palácio da Instrução".

Em 1840 começam a se tornar explícitas as diferenças entre as lideranças locais, presentes principalmente na Assembléia, e os delegados do Império. Nessa época era presidente de Mato Grosso Estevão Ribeiro de Rezende, advogado, que mais tarde viria a ser desembargador do Tribunal da Relação na Bahia e ganharia o título de visconde de Valença. Ele havia sido nomeado para governar o Mato Grosso pelo Regente Araújo Lima, fazendo parte do partido Conservador que se formava.
Um sinal de desacordos entre o presidente e a Assembléia foi quando esta última escolheu os vice-presidentes, cuja seleção era de sua competência, até então. O cargo de vice-presidente era importante numa província como Mato Grosso. Pela distância da Corte – aproximadamente 3 meses de viagem -, um vice-presidente poderia governar por um bom tempo, entre a saída de um governante a chega do titular nomeado pelo governo central.
Assim, a casa legislativa tinha escolhido para as seis vagas de vice-presidentes duas pessoas do partido conservador e quatro do liberal. Ribeiro de Rezende escrevia para a Corte dizendo que os quatro do lado liberal eram "por seus sentimentos anárquicos" possuíam "nem uma capacidade intelectual", sendo, portanto, "por este governo considerados indignos da confiança do Governo Imperial e prejudiciais a ordem pública". Descontentando agudamente o governante, o 1º vice, ou seja, o seu substituto imediato, era o padre Silva Guimarães, a quem considerava o chefe dos "anarquistas", e caracterizado por levar uma vida imoral. O presidente dizia ter receio em deixar a província com tal sorte de políticos5.
O desacordo entre o Legislativo provincial e o Executivo ficou patente quando o presidente se recusou em sancionar duas leis feitas pela Assembléia. Uma extinguia os "delegados do governo da província", que eram cargos instituídos em 1836, por uma lei provincial, que visava dispor ao presidente homens por todo o Mato Grosso para a vigilância da ordem. Outra lei vetada por Rezende era uma que proibia o executivo de transferir, colocar em diligência ou afastar da capital para cumprir serviços os funcionários civis ou militares que estivessem participando da Assembléia, em tempo de sessões do parlamento6.
Os deputados teriam que conseguir 2/3 em plenário para derrubar os vetos. Não conseguiram por apenas 1 voto. Mas os parlamentares liberais não deixaram por menos. Obtiveram êxito em obstruir a votação da lei orçamentária para o ano seguinte, o que era fundamental para a administração provincial. Também escreveram para a Corte, pedindo a pronta demissão do presidente. Diziam que Rezende estava atiçando os ódios partidários, que não respeitava o legislativo, e que a qualquer momento poderia deixar a província fora de controle7.
No entanto, na Corte logo subiu um gabinete liberal, em 24 de julho de 1840, promovendo a saída de Ribeiro de Rezende de Mato Grosso. O novo presidente de província nomeado pelo governo central, para desgosto do ex-governante, era o padre Silva Guimarães. Era muito raro ser designado chefe do Executivo um habitante da própria província.
Silva Guimarães, mesmo sendo liberal, passou a receber oposição dos seus antigos correligionários, agora liderados pelo fazendeiro de Poconé, Manuel Alves Ribeiro. Como demonstração de força, a Assembléia novamente não aprovou a lei orçamentária. Silva Guimarães considerava seus ex-aliados um bando de anarquicos8.
Dessa maneira, como indicação para vice-presidentes, o padre sugeria somente nomes do partido conservador9. Acontecia que a escolha dos vices havia deixado de ser prerrogativa das Assembléias, para tornar-se competência exclusiva do governo central. Isso fazia parte do conjunto de medidas centralizadoras. No entanto, era usual o governo no Rio de Janeiro pedir pareceres para os presidentes de província sobre as pessoas que poderiam assumir tal cargo.
Não obstante as várias cartas de Guimarães desqualificando o líder dos liberais, o governo central acabou escolhendo Manoel Alves Ribeiro como 1º vice-presidente.
O poderio do fazendeiro de Poconé já era comprovado na eleição para deputado geral em 1840. O seu partido escolheu como candidato José Joaquim de Carvalho, um proprietário sem muita tradição na política. Contra os liberais estava o próprio padre Silva Guimarães, o aparato governamental e os conservadores. O candidato liberal venceu. Em 1842, em nova eleição contra o padre Guimarães, outra vez Joaquim de Carvalho foi eleito deputado geral. Os liberais ainda acusaram o padre de várias irregularidades no pleito, usando intensivamente os corpos armados da província10, mas que mesmo assim não lhe garantiram vitória frente aos homens de Ribeiro.
Com um gabinete conservador desde 1842, o que fez os liberais de Minas e São Paulo se rebelarem, o padre é exonerado do cargo. Em seu lugar ficou governando como vice-presidente justamente Manoel Alves Ribeiro.
O fazendeiro de Poconé sabia que não era longa sua permanência no governo. Assim, apressou-se em aprovar a leis de seu interesse, como a orçamentária, e uma que interferia na Guarda Nacional, começando pela demissão de seu comandante. Conseguiu com que a Assembléia aprovasse lei permitindo que o governo da província pudesse remover os oficiais
de seus postos da milícia cidadã. Assim, Ribeiro demitiu uma lista de pessoas da guarda, e promoveu seus partidários. O legislativo provincial também aprovou lei que concedia imunidade para seus parlamentares, como a que existia na Câmara Geral.
Os dois presidentes seguintes, Moreira Freire (24/10/1843 – 26/9/1844) e Gomes Jardim (26/9/1844-5/4/1847) também sofreram a oposição da Assembléia Legislativa comandada pelo fazendeiro de Poconé, mesmo um sendo nomeado por gabinete conservador e outro por liberal. Os dois procuraram anular as promoções feitas na Guarda Nacional, e argumentavam que as assembléias provinciais não poderiam legislar sobre essa força.
Também pediam que se recriasse o corpo policial, extinto pelos deputados provinciais desde 1840. Ora, os corpos armados, como a Guarda Nacional e a polícia, podiam ser decisivos nas eleições. Os partidários de Ribeiro souberam neutralizar o poderio dos presidentes de província, e assim elegiam seus deputados seguidamente.
Os chefes do Executivo e os políticos conservadores, por sua vez, apontavam muitas irregularidades praticadas pelo fazendeiro de Poconé, como a apropriação indevida de uma fazenda, a de Camapuã, a venda de escravos de terceiros, e a reduzir pessoa livre ao cativeiro. Mas o poconeano se entrincheirava nas imunidades parlamentares
O presidente Crispiniano Soares foi o único, desde 1840, a não se chocar com a Assembléia Legislativa. Pelo contrário, fez vistas grossas para as irregularidades do grupo de Ribeiro, como o seqüestro do doutor Sabino, líder da Sabinada na Bahia, que foi retirado das mãos das autoridades locais e mandado ir morar numa fazenda de um dos aliados do chefe liberal11.
Como recompensa pela boa relação, Crispiniano Soares saiu da presidência eleito, com o apoio do fazendeiro de Poconé, deputado geral pela província de Mato Grosso.
Mas a situação dos liberais começou a mudar com a chegada do presidente major José Joaquim de Oliveira, que dizia ter encontrado a província como uma "conquista dos
anarquisadores", em que "os dinheiros do cofre públicos, os bens das fazendas nacionais, os direitos dos pacíficos habitantes, tudo estava à mercê dos conquistadores"12.
Uma das primeiras medidas do novo presidente foi constituir uma guarda armada, composta por cidadãos voluntariamente. Vários desafetos de Ribeiro e inclusive ex-aliados entraram para essa corporação13. Assim, sentindo-se com mais força, o governante conseguiu a remoção de militares de alta patente, que apoiavam os liberais, para fora da província14. Ao mesmo tempo pedia urgência para que a Corte mudasse a lista de vice-presidentes, na qual o grupo de Ribeiro era privilegiado. Se fosse assassinado, os "anarquizadores" não teriam a "posse" de Mato Grosso, acreditava Oliveira15.
O presidente desengavetou os processos contra Ribeiro. Este reagiu com um tiro, dado por camarada seu, no juiz que levava as contendas à frente. Mas o major atacava por vários lados. Anulou as últimas votações para a Câmara de Cuiabá, em que os liberais tinham derrotado os conservadores em seu principal reduto, em 1848. A nova câmara formada, a partir de então, era completamente favorável ao presidente16.
Outra medida que desagradou o grupo de Ribeiro foi a reformulação dos postos da Guarda Nacional pelo chefe do Executivo provincial. Este também se beneficiou pela mudança da lista de vice-presidentes expedida pelo governo central17.
Tentando não deixar escapar nada, Oliveira procurou anular a venda da tipografia que pertencia ao governo, feita na época de Crispiniano Soares. Ela tinha sido adquirida pelos liberais por um preço muito baixo: oitocentos e dez mil réis. O governo, dessa transação, passou a pagar mais de um conto de réis para mandar fazer suas impressões18.
Completamente incomodado com o governante, o fazendeiro de Poconé decidiu pessoalmente empreender uma viagem à Corte, para negociar a demissão de Oliveira.
Pouco depois de sua saída, era anunciada nova eleição para compor outra legislatura na Câmara Geral. Era aí que se daria a prova final. De um lado concorreu o presidente Oliveira, de outro o caudilho Ribeiro, para a única vaga em que o Mato Grosso possuía.
Ribeiro conseguiu voltar pouco antes das eleições, com a demissão assinada de Oliveira19. Mas o major, usando de todos os recursos disponíveis, venceu o pleito por margem apertada. Mas não era a derrota definitiva de Ribeiro. A Corte resolveu abrir uma segunda vaga para a província, e o líder liberal foi eleito. Os dois representaram o Mato Grosso entre 1850-1852.
Nessa eleição de 1849, os conservadores da província também conseguiram fazer a primeira maioria na Assembléia. Mas não houve uma desforra, apesar de anularem algumas leis anteriores como a de imunidades. Aconteceu que os governos provinciais seguintes passaram a se esforçar para que não ficasse completamente excluído dos postos e cargos o partido perdedor nas eleições. O auge dessa política de "Conciliação" vai ser com o bretão, morador de Mato Grosso, chamado Augusto Leverger (2/1851 – 4/1857). Essa política certamente foi facilitada com a permanência de Ribeiro na Corte desde 1850, e por sua morte em 1854.
O fazendeiro de Poconé, depois da legislatura na Câmara dos Deputados, ainda tentaria um vôo mais alto, se candidatando para senador pela província. Contudo, faleceu de febre amarela depois das votações, mas antes da escolha do Imperador entre os nomes da lista tríplice. Provavelmente não seria o escolhido. Todos os senadores de Mato Grosso, durante o Império, foram pessoas não moradoras da província. Eram geralmente figuras de âmbito "nacional", ou seja, nomes de destaque do Rio de Janeiro ou de outros lugares proeminentes, como os homens públicos José Maria da Silva Paranhos e José Saturnino da Costa Pereira.
Apesar de o governo central ter feito várias concessões ao fazendeiro de Poconé, não queria dizer que pudesse chegar a lhe franquear uma alta representação, como a do Senado. Quando Ribeiro assumiu a província, por exemplo, na qualidade de vice-presidente, em 1848, já estava a caminho de Cuiabá uma ordem do governo central mandando que se passasse o cargo para o segundo vice, Nunes da Cunha. Era primo de Ribeiro, era do Partido de Ribeiro, mas não era Ribeiro. O governo central, mesmo sob gabinete liberal, já demonstrava suas
prevenções em relação ao fazendeiro de Poconé. Este, por sua vez, sabia que o perigo da desordem fazia com que ganhasse várias posições no jogo político, mesmo em momentos de gabinete conservador.

Dom José Antonio do Reis, primeiro Bispo de Cuiabá (1831-1876)


* Ernesto Cerveira de Sena é doutorando em História Social e das Idéias pela Universidade de Brasília.
1 Não obstante, o próprio Poupino ter sido um representante dessa elite, nas décadas de 1820 e inícios de 30, quando lutou junto com os políticos de Cuiabá pela transferência da capital para a baixada cuiabana.
2 Estatutos da Sociedade dos Zellosos da Independência installada na cidade de Cuiabá – Província de Matto Grosso, 27 de fevereiro de 1832. RIHGMT, ano XII, tomo XXIII, 1930, p. 63.
3 SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. A Rusga em Mato Grosso: edição crítica de documentos históricos. São Paulo, (dissertação de mestrado) – FFLSH- USP, 1992.
4 CORRÊA FILHO, Virgílio. História de Mato Grosso. Várzea Grande: Fundação Júlio Campos, 1994.
5 Arquivo Nacional. IJJ(9) 506 Estevão Ribeiro de Rezende para Manoel Antônio Galvão, ministro do Império. Cuiabá, 16 de março de 1840.
6 Arquivo Nacional. IJJ(9) 506 Estevão Ribeiro de Rezende para Manoel Antônio Galvão, ministro do Império. Cuiabá, 2 de maio de 1840.
7 Arquivo Nacional. IJJ(9) 506 Representação de Membros da Assembléia Legislativa Provincial de Mato Grosso contra o Presidente de Província Bacharel Estevão Ribeiro de Rezende. Cuiabá, 30 de abril de 1840.
8 Arquivo Público de Mato Grosso. Registro de Correspondência do Governo com o Ministério do Império. Ano: 1843-1847. N. 076. José da Silva Guimarães para José Antônio da Silva Maia, ministro do Império. Cuiabá, 1º de junho de 1843.
9 Arquivo Nacional IJJ(9) 506 José da Silva Guimarães para Salvador Cândido Paz de Araújo Viana, ministro do Império. Cuiabá, 11 de agosto de 1842.
10 Arquivo Nacional. IJJ(9) 506. Abaixo-assinado de deputados provinciais para demissão do atual presidente de província. Cuiabá, 13 de setembro de 1842.
11 CORRÊA FILHO, Virgílio. "Bahianos em Matto Grosso". In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, julho de 1948.
12 Relatório de Presidente de Província. Major Joaquim José de Oliveira, 8 de setembro de 1849, p. 8.
13 Arquivo Nacional. IJJ(9) 507. Joaquim José de Oliveira para Antônio Manoel de Campos Mello, ministro da Justiça. Cuiabá, 29 de novembro de 1848.
14 Ibidem, p. 11.
15 Arquivo Nacional. IJJ(9) 507 Reservado. De Joaquim José de Oliveira para José Pedro Dias de Carvalho, ministro do Império. Cuiabá, 31 de outubro de 1848
16 Relatório de Presidente de Província. Major Joaquim José de oliveira, 1849, 8 de setembro de 1849, p. 13.
17 Arquivo Nacional. IJJ(9) 507. Joaquim José de Oliveira para Antônio Manoel de Campos Mello, ministro da Justiça, 29 de dezembro de 1848.
18 Relatório de Presidente de Província. Joaquim José de Oliveira, 3 de maio de 1849, p.16.
19 Relatório de Presidente de Província. Joaquim José de Oliveira, 8 de setembro de 1849, p. 9







sexta-feira, 25 de setembro de 2009

10 anos sem Liu Arruda
Irreverente e polêmico ator Liu Arruda, que ao longo de sua carreira criou quase 40 personagens, todos tirados do cotidiano cuiabano


Liu Arruda





Irreverente, debochado, engraçado e, sobretudo polêmico Liu Arruda construiu ao longo de sua carreira quase 40 personagens, todos criados pela mente brilhante de um artista que permeou seu trabalho nas minúcias e riquezas da cultura de seu povo e nas curiosidades e diferenças do falar cuiabano. Entre os seus famosos personagens estavam a comadre Nhara, Juca, Ramona, Gladstone, Sandoval, Chapola e Dedé.
Liu Nasceu em 30 de maio de 1957, filho de Nilson Arruda e Tanita Marques de Pinho Arruda. Com sua arte, ele alcançou todas as classes sociais. A primeira apresentação aconteceu em 1968, no colégio São Gonçalo, quando fez uma dublagem de “Balada para um Louco”, uma versão de Moacir Franco para a música de Astor Piazzola. Nos anos 70, junto com Ivan Belém, participou do grupo de teatro do Sesi “Pequenos Gigantes”, atuando na peça Camilo Ramos Suing. Participou de diversas apresentações em escolas. Segundo o secretário da Cultura de Cuiabá, Mario Olimpio, a exposição é momento de reviver os personagens de Liu, fases de seu trabalho e também matar um pouco da saudade do grande artista. “É inegável a contribuição de Liu para a arte cênica mato-grossense, e a mostra é um convite a mergulho em seu universo”, completou OlimpioLiu cursou Comunicação Social na Faculdade Gama Filho, no Rio de Janeiro, onde participou do espetáculo “Desgraças de uma Criança”, que foi seu último trabalho na universidade. Voltou para Cuiabá em 84 e permaneceu por mais dois anos fora dos palcos. Trabalhou como professor de educação artística e repórter da TV Centro América.
Em 86 se juntou ao grupo Gambiarra de Ivan Belém, Meire Pedroso, Mara Ferraz, entre outros. O grupo realizava intervenções nas ruas, e em bares, sempre usando roupas coloridas. O primeiro trabalho do grupo Gambiarra foi “Avoar”, um espetáculo infantil que marca uma trajetória.
Cartaz alusivo à exposição dos pertences do ator.
Em 1999 a peça “Avoar” foi o último espetáculo apresentado por Liu Arruda, e novamente com o amigo Ivan Belém.
“Cidade Pedra Lascada” marca o encontro com o amigo Chico Amorim. A partir daí, políticos e dondocas passaram a ser matéria prima da parceria. Chico foi o responsável por algumas mudanças na galeria de personagens. Foi dele a idéia do casamento entre Comadre Nhara e Juca, que resultou nos irreverentes filhos: Ramona e Gladstone.
Em mais de 25 anos de carreira, Liu participou da novela “O Campeão”, da Rede Bandeirantes, e teve participação no especial “A Lenda”, da TV Manchete. Manteve colunas em jornais e espetáculos que tiveram temporadas de quase um mês de casa lotada. Além de ter lançado o CD “Ocê qué vê, escuta”, com catorze faixas, sete músicas e sete piadas. Gostava de dizer para os amigos: “Não caí de pára-quedas na escalada de sucesso. Tenho credibilidade junto ao público porque sou sério. Quem faz humor sem seriedade perde a sua platéia”.





Na década de 1990 lançou um CD intitulado "o cê qué vê escuta" que repercutir bastante na Baixada Cuiabana. Ouça aqui outra música que fazia parte desse álbum de Liu Arruda.
CAPITANIA DE MATO GROSSO
Roubo de índios, fugas e ataques: o cenário da fronteira Oeste;
Por: Alessandra Resende Dias Blau

O meu interesse em estudar os índios resulta de um preconceito de infância. Desde criança ouvia e repetia que os índios eram preguiçosos e que não necessitavam de tantas terras, já que não trabalhavam nelas. Não gostava quando ouvia pessoas de outros estados dizerem que em Mato Grosso só havia índios, para mim era uma ofensa. Sempre estudei em escolas públicas e não me lembro de ter ouvido ou lido na escola, seja no Ensino Fundamental ou Médio, assuntos que mostrassem os índios como seres relevantes para a história, eles apenas surgiam como meros atores coadjuvantes.
Quando comecei o curso de graduação em História, em fins da década de 90, meu interesse em relação aos índios foi mudando. Nessa época eram muito freqüentes as discussões sobre os 500 anos do “Descobrimento” do Brasil. Foram diversas as publicações sobre o “Descobrimento” e sobre os primeiros moradores das “terras americanas” – os índios. Comecei, então, a aproximar-me da bibliografia sobre esses “bárbaros” e me encantei.
Já no Mestrado, aprendi a pensar na utilização de índios e índias para o povoamento da Capitania, na segunda metade do século XVIII. E o desfecho disso tudo se materializou numa dissertação intitulada: O “ouro vermelho” e a política de povoamento da Capitania de Matogrosso: 1752-1798. O objetivo principal da dissertação foi discutir o papel representado pelos grupos indígenas localizados na repartição do Mato Grosso (consultar o mapa 1: Repartições do Cuiabá e do Mato Grosso – século XVIII), na dinâmica de povoamento colocada em movimento pelo Estado português, no período em questão. Procurei compreender as redes estabelecidas entre os interesses luso-espanhóis e os indígenas, na fronteira entre as duas nações ibéricas na América do Sul, iluminando alguns aspectos que me parecia importante para a construção do conhecimento histórico sobre a região.



A pesquisa foi pensada de modo a destacar a importância do trabalho indígena para a manutenção das terras da fronteira oeste para o império português. Ainda são poucos os estudos que enfatizam este aspecto, pois em geral, quando se pensa em mão de obra escrava a primeira referência é a dos escravos negros. No entanto, embora escravos africanos tenham representado papel importantíssimo também nas minas da fronteira oeste, sem a mão de obra indígena não teria sido possível ocupar os vastos territórios cortado por rios imensos e densas matas, tão bem conhecidos pelos índios. A exploração da mão de obra indígena foi tão intensa, que o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira advertia que se não diminuíssem os maus tratos a eles, a Coroa perderia uma mão de obra fundamental; dizia que, se os trabalhos escravos eram importantes nas minas da capitania, mas que o trabalho indígena era fundamental para a travessia dos rios e exploração dos recursos naturais contidos nas matas. Ferreira justificava as fugas dos índios, e dizia que os negros não fugiam para a África apenas porque não tinham meios para fazê-lo por estarem distantes do mar.
A partir da documentação pesquisada, pude perceber que a participação de diversos grupos indígenas em Mato Grosso utilizados para se “fazer povoações”, no século XVIII, adquiriu feições próprias, numa Capitania distante da Corte, e que precisava consolidar-se como território português. Ao longo de todo século XVIII os índios, “mansos” e “bravos”, ocuparam as páginas das cartas e ofícios de governadores da Capitania. Eles ganharam visibilidade nos textos, ora sendo “amigos” ou “súditos” da Coroa, ora sendo “bárbaros” ou inimigos mortais. Entretanto, observou-se que as hostilidades indígenas feitas aos espanhóis contribuíram para mantê-los afastados dos domínios portugueses, assim como o contrário.
Embora atualmente a população de Vila Bela seja identificada mais com a cultura negra africana, em sua gênese, contou com uma maioria de índios; negros e poucos “brancos”. Há que se considerar, no entanto, que a documentação pesquisada indica que o movimento de ocupação “branca” concorreu para a dizimação de muitos povos, que já não existem nos nossos “arquivos da memória”:
... continuando aqueles aventureiros as suas conquistas, chegaram a navegar o rio Paraguai, descendo uns pelo Coxim, outros pelo Embotetei, outros pelo Cahy, [...] e entrando pelas grandes baias [...] foram achando tantas nações de gentes que não cabem nos arquivos da memória e só me lembram as seguintes: Corayas, Taquasentes, Xixibes, Xanites, Porrudos, Xacorores, Aragones, Coxipones, Pocones, Aripocones, Mocos, Guatós, Araviras, Beripocones, Arapares, Hytapores, Iaymes, Guaicurus, Bororos, Paiaguas, Xarayés, Penacuicas e outros².
Muitos desses grupos indígenas não existem, são nomes que nos soam estranho. Outros, como os Bororo, permaneceram. E alguns devem ter garantido por meio da miscigenação a continuidade de seu povo.
Não é novidade estudos sobre a política de povoamento da Capitania de Mato Grosso e a predominância da população mestiça, proveniente, sobretudo, da descendência de índias com “brancos” ou com negros. Contudo, este trabalho procurou contribuir para o levantamento de fontes, sejam manuscritas ou impressas, sobre o tema, e para que suscitem outras pesquisas.
Alessandra Resende Dias Blau é professora no município de Cotriguaçu-MT, licenciada, bacharelada e Mestre em História pela UFMT. Leciona História na Escola Estadual Maria da Glória Vargas Ochôa. E-mail: ale2405@ibest.com.br



Notas:
1 - Expressão de Antonio Vieira em MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 96. Significa a riqueza adquirida com sangue e energia dos índios.
2 - SÁ, José Barbosa de. Relação das povoações do Cuiabá e Mato Grosso de seus princípios até os presentes tempos.Cuiabá: UFMT/SEC MT, 1975. p.10.
Autor do texto:Alessandra Resende Dias Blau
Montagem: Vitorio

Fonte: http://www.cefaprojuina.com
De um Império a Outro: A construção e os conflitos no Real Forte do Príncipe da Beira (1776-1792)
Suelme Evangelista Fernandes - Mestre em História pela UFMT
O objetivo desta comunicação é dar vida e voz a homens e mulheres que construíram e reinventaram o que conhecemos como fronteira oeste entre os domínios ibéricos na parte mais central da América do Sul na capitania de Mato Grosso. Concentro minha atenção num aspecto da espacialização edificada dessa fronteira, o Real Forte do Príncipe da Beira. Tomo por balizas temporais o período que vai da fundação do forte em 1776 até 1796, o fim do longo e sucessivo governo dos irmãos Luiz e João de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres na capitania de Mato Grosso.
Erguido sob a pedra canga (arenito comum na região) ao seu término compreendia 116 metros quadrados de área construída com paredes de 10 metros de altura em plena selva amazônica, as margens do rio Guaporé, numa região alagadiça conhecida como pantanal do Guaporé. O fato é que a construção impressiona, de longe parece um prédio medieval, mas por dentro a precariedade dos 11 edifícios passou por sérios problemas de abastecimento.


Mapa da Capitania de Mato Grosso, à época do Capitão-General Luiz Albuquerque

Os interesses presentes na produção e reprodução cotidiana do forte eram os de vários segmentos sociais numa população em média de 700 almas: militares e paisanos – funcionários da Fazenda Real; clero da capelania; paisanos ricos (comerciantes, proprietários de sesmarias, produtores de atividades agropastoris ou exploradores de ouro) e paisanos pobres (pequenos comerciantes, operários particulares ou pagos pela Fazenda Real), que eram índios, brancos livres pobres, negros forros, escravos particulares e escravos d’El Rey. Some-se a isto a diversidade étnica que compunha o mosaico fronteiriço, as diversas línguas, religiões e organizações societárias.
As definições dos limites portugueses foram estabelecidas nesta ocupação noroeste através das posições avançadas hispânicas. Neste caso, a fronteira ficou estabelecida nos limes das missões de Mojos e Chiquitos, às margens orientais do Guaporé, muro de avanço, barreira de expansão. Definindo os marcos da possessão, os lusitanos usaram rios, vales e montanhas pontilhadas por marcos desta ocupação: povoados, arraiais e fortificações.
Engenheiros, desenhistas e cartógrafos tiveram presença intensa em ambos os lados dos domínios ibéricos sul-americanos, os ambientes urbanos sempre tinham profissionais envolvidos nestas atividades, inclusive nas expedições filosóficas e demarcatórias entre cosmógrafos, botânicos e matemáticos sempre figuravam os desenhistas. (...) para miniaturizar o mundo que se alargava, foi necessária a criação de uma linguagem cuja sintaxe reunia signos oriundos de diferentes áreas do conhecimento.1
Ao todo, na capitania de Mato Grosso, foram três fortificações: Forte Nossa Senhora da Conceição/Bragança, Coimbra e Real Forte do Príncipe da Beira.


Visão frontal do forte Príncipe da Beira.

A proximidade com missões jesuíticas espanholas e com Santa Cruz de la Sierra despertou desde logo a atenção da Coroa portuguesa. O conjunto de missões que compunha a faixa de fronteira era composto da província de Chiquitos e Mojos. Esta última contava, no final do século XVIII, com aproximadamente 40 mil pessoas distribuídas em mais de 72 aldeias. É ainda difícil saber qual a população dessa província jesuítica hispânica na primeira metade do século, mas certamente não devia ser radicalmente menor.
Do lado oriental do Guaporé, no domínio invasivo português, residiam em 1755 na recém fundada Vila Bela da Santíssima Trindade e seu termo, 538 pessoas. Considerando-se os dados que permitem estimar a população total da capitania nos primeiros anos de 1750 entre sete e oito mil pessoas, já computadas as 1000 pessoas do Forte Príncipe da Beira. Este montante era significativamente menor que o número de almas hispânicas, haja vista que não considerei quantitativamente a missão de Chiquitos. Apesar da superioridade numérica, sobretudo bélica, fato curioso e ainda pouco analisado é os motivos que levaram a Coroa Espanhola não retomar suas possessões no Tordesilhas.

D. José, o príncipe da Beira e do Brasil, filho primogénito da Rainha D. Maria I


Contudo, nas relações de fronteira os vizinhos ibéricos estavam muito mais próximos da paz do que da guerra, o que certamente facilitou as relações oficiais e ilícitas de contrabando por membros da governança local, a devassa sofrida pelo capitão general Luiz de Albuquerque e alguns contrabandistas particulares a ele ligados demonstram estas práticas. No caso do Forte é nítida as relações entre os padres curas missioneiros e o Comandante do Forte José Pinheiro de Lacerda, a ponto do cirurgião do partido encontrar-se por vezes assistindo a missão de Mojos.
As fugas e deserções eram acobertadas pelos dois domínios, esvaziar os contingentes operacionais inimigos era uma estratégia de guerra. O uso desta situação específica de fronteira favoreceu sobremaneira às fugas de índios aldeados para o solo luso e escravo negros para Castela, entre outros desertores. Mapa do estado de Rondônia onde consta a localização do Forte Principe da Beira, no município de Costa Marques.


A localização do forte favorecia as fugas e deserções para a Espanha, pois ele se localizava na embocadura de dois rios que nasciam em solo espanhol: rio Baures e Bení - afluentes do Guaporé/Madeira.
Esta disputa por territórios entre os tronos Ibéricos é inseparável da aguerrida resistência indígena, transformando estes territórios em múltiplas fronteiras étnicas, onde, pelo menos por algum tempo, os indígenas demonstraram superioridade flagrante sobre os invasores, impondo recuos aos seus avanços e obrigando-os a inventar estratégias em que nem sempre a força das armas foi a melhor alternativa. Refiro-me ao Diretório dos Índios (1757), manobra pombalina para a cooptação e aliança com os indígenas.
As linhas imaginárias que por negociações diplomáticas e assinatura de tratados de limites foram definindo as fronteiras oeste dos domínios ibéricos, cortaram territórios milenares de sociedades indígenas, enquadrando-as em nacionalidades impostas, utilizando seu trabalho exaustivamente, inclusive em práticas militares, na construção de novas espacializações, reterritorializando.
Simultaneamente, a presença de povos africanos foi também determinante e da sua mão-de-obra ergueram-se aldeias, arraiais, fortes e vilas. Suas marcas no Guaporé testemunham a grandiosidade do projeto português e da diáspora africana, na cotidiana prática das contradições.
Ao observar a vasta cartografia portuguesa observamos uma série de pequenos aldeamentos e povoados ainda pouco analisados pela historiografia ao longo do Guaporé: Leomil, Lamego, Cachoeira do Girau entre outros. Povoados que compunham uma paisagem discursiva a respeito das pretensões invasivas, parte do complexo infra estrutural tático lusitano. No Forte do Príncipe da Beira – como em outros –, embora sua espacialização se destinasse prioritariamente à guerra, havia um entorno produtivo entregue à responsabilidade de não-militares. A preocupação era com a construção de uma "auto-suficiência" possível, na perspectiva tática de possíveis ataques duradouros, com conseqüente escassez de víveres.
Neste sentido, a América portuguesa como um todo pode ser vista como fronteira ocidental do Império português. Fronteira do Império, sobreposta às fronteiras de territorialidades ameríndias. Fronteira do Império que, alargada em sua espacialização, foi se fazendo múltipla, de variado tipo. Mas, e principalmente, fronteira do Império feita de sucessivas conquistas – das projeções de Tordesilhas, das territorialidades ameríndias seculares, das espacializações hispânicas materializadas em cidades, missões, estacadas.
Para a garantia do funcionamento pleno destes postos, a participação da cabeça de comarca foi decisiva: de Vila Bela da Santíssima Trindade (a 700 Km do Forte) partiam gêneros de toda ordem para o forte. Poderia contar, ainda, com o apoio logístico de outras partes mais recuadas da capitania, como Cuiabá, que, entre outros, remeteu ao forte: sementes para agricultura, índios Bororo e cal.


No eixo Guaporé abaixo tinha a capitania do Grão Pará, Belém (a 3.600 Km do Forte), que poderia ser a alternativa última e socorro em caso de ataques súbitos dos espanhóis.
Portanto o Forte Príncipe da Beira, ocupou posição estratégica na geopolítica portuguesa, mantinha um complexo produtivo e populacional no Guaporé (vilas e aldeamentos) garantindo a navegação da Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão (1755), articulando duas capitanias (Mato Grosso e Grão Pará) ligadas a dois estados gerais da colônia nos limites entre duas fronteiras.
Nesta reespacialização formadora da fronteira na América lusitana temos também que considerar uma rede de relações sociais que envolviam múltiplos interesses por vezes harmônicos, por vezes antagônicos. Índios (nas suas inúmeras e diversas organizações societárias), negros (das mais diversas origens) e brancos (de várias nacionalidades, fidalgos, plebeus). Homens e mulheres que trilharam a fronteira oeste da América portuguesa construindo espaços edificados e reinventando comportamentos e práticas cotidianas.

Construção iniciada em 1776 e concluída em 1783, o Real Forte Príncipe da Beira foi idealizado para consolidar a posse da Coroa Portuguesa sobre as terras à margem direita dos rios Guaporé e Mamoré.

A cúpula dirigente ou a alta patente do Forte era formada por homens brancos, geralmente dragões com formação militar em Portugal, a oportunidade de servir na fronteira nos postos avançados poderia garantir até mesmo a nobilitação. No entanto, algumas companhias militares eram compostas por colonos pobres ou empobrecidos advindos da colônia ou do reino, negros forros/escravos e índios, com pouca habilidade no manuseio de armas de baixo calibre, porém com bom preparo físico.
A de pedestres, por exemplo, era formada por mulatos e índios que andavam descalços, armados de facão. Seus integrantes eram definidos como muito úteis tanto nos rios como na terra.
Alguns soldados de outras partes da capitania ou da colônia, poderiam ter sido enviados sob pena de degredo para as fortificações de fronteira, alternativa de punição e ordenamento dos terços militares.
Na capitania das Minas Gerais, situação similar é encontrada: Negros forros e mestiços na sua maior parte – mulatos, caboclos, carijós – serviam para povoar locais distantes como Cuité, Abre Campo e Peçanha, onde se iam estabelecendo presídios (...).2
No Forte do Príncipe da Beira também ocorriam desvios de conduta, desordenamentos e desentendimentos entre militares, questões sociais disfarçadas por patentes.
Entro agora na dependência de mais três, ou quatro carapinas; visto que proximamente despedi os dois soldados que se ocupavam deste ofício, Joaquim Alves, e Custódio de Souza Coutinho por inteiramente se haverem incapacitados pelas desordens dos noturnos passatempos em que adquiriram a má moléstia da carnosidade3 que com qualquer excesso de trabalho lhe sobrevêm os fluxos de sangue.4
Os curativos emergenciais e as inúmeras purgas podiam ser feitos por escravos barbeiros da Fazenda Real. O escravo da Real Fazenda Ignácio Batista, enviado de Vila Bela em 17805, tinha inclusive tratamento diferenciado pelo conhecimento destas práticas, só interrompidas por suas bebedeiras exageradas.
Por ordem de S. Excia. nenhuma pessoa deste distrito de qualquer graduação que seja terá autoridade de castigar nem porá para serviço algum ao escravo da Fazenda Real Ignácio Batista que se acha servindo no hospital deste Forte e sangrando os doentes que existem nele porquanto qualquer castigo que o referido escravo mereça o reservo a mim e na forma das instruções que S. Excia. me deixou. E outrossim, todas as vezes que o dito escravo adoecer não será curado no referido hospital, mas imediatamente remetido para o da antiga Fortaleza da Conceição aonde se deve curar.6
Ao que parece, foi comum a utilização de escravos como barbeiros7, e em outros ofícios como alfaiate, pedreiros, oleiros8 e carpinteiros. Assim como doenças tropicais levaram à morte muitos colonos europeus, as virulências trazidas por eles também foram implacáveis para os índios.
Outros escravos negros poderiam, ainda, ocupar postos na defesa de espaços militares.9 Sua participação intensa era imperativa para a Coroa, sua presença foi notável até mesmo
nas forças de fronteira, mas os riscos de lhes permitir o uso de armas eram enormes, havendo, portanto, variadas restrições:
Também se faz preciso algum número de pedestres, pois se oferece ao mesmo tempo tantas expedições, que não há com quem se faça; como elas, espias, rondas, e outras diligências que se não podem fazer com negros.10
A sabedoria milenar dos indígenas ensinou ao colonizador como usar as drogas do sertão, beberagens e ungüentos mágicos que figuravam nas prateleiras e, nos boiões das boticas, disputavam espaço com a farmacopéia ocidental.
Diante de ares tão estranhos e fluxos de sangues constantes, uma boa dose de quina11 podia valer mais que água inglesa. Há dias que se me deu parte ter se acabado a quina na botica; e também o chá, e pedra-ume crua, remédios indispensáveis, principalmente a quina.12
E assim se ia experimentando, comparando e misturando. Óleos de piraiauara (Boto) iluminavam noites, sabonetes de mamona refrescavam banhos, estopa, tinturas de madeira coloriam camisas, resinas vedavam embarcações e o breu da terra calafetava ambientes.
As atividades teatrais, de música e dança, favoreciam relações diplomáticas com autoridades espanholas dos domínios vizinhos em tempo de paz, ao visitar o forte governador de Mojos D. João Dionísio Marin:
Foi recebido com uma salva de onze tiros de artilharia: tomou posto na fortaleza velha da Conceição, onde levantou barraca: foi visitado com todas as demonstrações de afeto, e urbanidade; conduzido a cavalo a este forte, de onde se lhe apresentou em obséquio uma comédia, danças, e
entremezes, e uma ceia bem proporcionada. Dormiu no meu quartel, e no dia seguinte se despediu com iguais demonstrações de grandeza e afeto. 13
O império no ultramar português como sociedade de corte se estruturava com símbolos, pompas e circunstâncias, sinais de devoção e submissão:
Por três dias que dobraram os sinos neste forte, de meia em meia hora, fiz anunciar a todo o povo desta repartição a triste notícia da grande perda que tivemos pela morte de S.A.R (Sua Alteza Real) o nosso príncipe, que prometia a seus vassalos um rei magnânimo, e de altas qualidades.14
Mesmo distante dos domínios ibéricos as manifestações do catolicismo também eram visíveis em todas as raias coloniais, apesar dos afrouxamentos:
Participo a V. Excia. a 17 do corrente mês marchou o Almoxarife Salvador Pais de Faria, acompanhado das pessoas declaradas na relação junta, e todos com bastante demonstrações de contentamento, a fim de procurarem, Com o maior esforço aquele desejado descoberto, não se conseguiu a saída em dias de maio como já a V. Excia. tinha dito por causa do rio estar muito cheio, e não haver lá na saída de terra maior demora. O mesmo Almoxarife teve boa lembrança de mandar cantar uma missa, a Nossa Senhora da Esperança, e levou uma bandeira do Divino Espírito Santo, a ambos temos dedicado o bom sucesso daquela diligencia.15
Segundo Maria Elisa Carrazzoni16, luso-brasileiros ergueram, ao longo de dois séculos e meio, mais de 450 fortificações e ambientes fortificados, chamadas de fortalezas, fortes, fortins, redutos, redentes, presídios, hornaveques, vigias, baterias, feitorias, portões, trincheiras, tranqueiras e casas fortes. Existem hoje no país vestígios de 109 construções defensivas, de um total estimado em 450, sendo 40 tombadas pelo Patrimônio Histórico Artístico Nacional17. O Forte do Príncipe da Beira foi tombado pelo Instituto em 30 de novembro de 1937.




Visão frontal do forte Príncipe da Beira.




O Real Forte Príncipe da Beira, também conhecido como Fortaleza do Príncipe da Beira, localiza-se na margem direita do rio Guaporé, atual Guajará-Mirim, no município de Costa Marques, estado de Rondônia, no Brasil.Em posição dominante na fronteira com a Bolívia, esta fortaleza é considerada uma das maiores edificadas pela Engenharia Militar portuguesa no Brasil Colonial, fruto da política pombalina de limites com a coroa espanhola na América do Sul, definida pelos tratados firmados entre as duas coroas entre 1750 e 1777."A soberania e o respeito de Portugal impõem que neste lugar se erga um Forte, e isso é obra e serviço dos homens de El-Rei nosso senhor e, como tal, por mais duro, por mais difícil e por mais trabalhoso que isso dê, (...) é serviço de Portugal. E tem que se cumprir." (D. Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, Junho de 1776).Origem do nome"Príncipe do Brasil" era então o título do herdeiro ou herdeira da coroa portuguesa, assim como "Príncipe da Beira" era o título do seu primogênito ou primogênita (i.e., privativo dos netos primogênitos sucessores presuntivos na coroa dos Reis de Portugal). Assim, o forte, iniciado em 1776, foi batizado em homenagem a D. José de Bragança, Príncipe do Brasil, que então era ainda apenas Príncipe da Beira, título que manteve brevemente até sua mãe, Maria I de Portugal, subir ao trono no ano seguinte (1777), quando ele próprio passou a Príncipe do Brasil. O Príncipe D. José morreu novo, não chegando a reinar, pelo que lhe sucedeu como Príncipe do Brasil o seu irmão menor, o futuro João VI de Portugal. O Príncipe da Beira, D. José, depois do Brasil, era neto materno de José I de Portugal, e neto paterno de João V de Portugal, avós esses que eram irmãos, pois a rainha D. Maria I foi casada com um seu tio, o rei-consorte Pedro III de Portugal. O Príncipe da Beira, e depois do Brasil, D. José, foi casado, sem geração, com sua tia, Infanta D. Maria Benedita, Princesa do Brasil viúva, irmã mais nova de D. Maria I.CuriosidadesA cor avermelhada da fortificação deve-se ao emprego, na sua construção, de pedra de canga laterítica, abundante na região.A pedra calcária, utilizada nos arremates por exemplo, foi transportada de Vila Maria e de Belém do Pará.Embora a cifra de trabalhadores seja de duzentos homens, estima-se que pelo menos mil outros trabalhadores estiveram envolvidos na sua edificação, entre indígenas e escravos africanos.Os recursos para a edificação vieram, em grande parte, das receitas geradas pela Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.Das inscrições nas paredes das antigas masmorras, podem-se inferir alguns detalhes da vida cotidiana na fortificação: No dia 18 de setembro de 1852, pelas duas horas da tarde, a terra tremeu;Alguns prisioneiros usavam grossa e comprida corrente ao pescoço;Os presos eventualmente recebiam auxílio, na forma de esmolas, da população local.

Notas bibliográficas

1 FRANÇA, Eduardo Paiva e outros. A cartografia histórica e a representação do poder. In: Lana Mara de Castro Siman e outros. Inaugurando a História e construindo a Nação – Discursos e imagens no ensino da História, Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p. 130.
2 SOUZA, Laura Melo e. Desclassificados do ouro: pobreza mineira no século XVIII.3.ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986, p. 72.
3 Doença sexualmente transmissível. In: HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 355.
4 Ofício de José Pinheiro de Lacerda ao capitão-general, Microficha 966, Fundo: Defesa, 16/ 04/1788, Lata 1788A, APMT.
5 Oficio do sargento-mor e comandante de companhia, José Manuel Cardoso da Cunha, ao capitão-general, Rolo n.º 002, Doc. 1772 a 1780, Microficha 412, Fundo: Defesa, 02/04/1779, APMT.
6 Oficio do sargento-mor e comandante de companhia, José Manuel Cardoso da Cunha, ao capitão-general, Rolo n.º 002, Doc. 1772 a 1780, Microficha 412, Fundo: Defesa, 02/04/1779, APMT.
7 Nauk Maria de Jesus indica a existência de pelo menos cinco barbeiros em Vila Bela, sendo dois deles negros. Citado, 93.
8O preto pedreiro, hoje alfaiate, foi ajustado para trabalhar, até a determinação de V. Excia.. Ofício de José Pinheiro de Lacerda ao capitão-general, em 15 de abril de 1782, n.º 528, Senado da Câmara de Vila Bela, Lata A, APMT.
9 Em bando de 15 de julho de 1763, são perdoados os crimes leves, dos que pessoalmente acudirem à defesa da fronteira, em especial na localidade do presídio de Nossa Senhora Conceição. Além dessas considerações e medidas, o governador estava consciente do papel dos negros nas lutas travadas pelos luso-brasileiros para expulsar os holandeses de Pernambuco. Assim, em primeiro lugar, Rolim demonstrou ter algum conhecimento
de lutas antigas na colônia e, em segundo, que o negro podia ser usado como soldado eficiente a favor dos interesses portugueses, em momentos oportunos. In: FIGUEREDO, Israel de Faria. Rolim de Moura e a escravidão em Mato Grosso: preconceito e violência – 1751-1765. Revista Territórios e Fronteiras (vol. 2). Programa de Pós-graduação em História, Cuiabá: UFMT, jul./dez. 2001.
10 Ofício do comandante José Manuel Cardoso da Cunha para o capitão-general Luiz de Albuquerque. Doc. n.º 164, Lata 1777A, APMT.
11 Arvoreta da família das rubiáceas (Cinchona ledgeriana), originária do Peru e notável por suas propriedades antitérmicas. 2. Designação comum a numerosas plantas nativas (falsa-quina, quina-mineira, murta-do-mato, etc.) cuja casca é amarga e sem motivo reputada ativa contra febres e malária, por comparação à quina. In: HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 1436.
12 Ofício do comandante José Pinheiro de Lacerda ao capitão-general, Rolo n.º 010, Doc. 1791 a 1798, Microficha, Fonte:Livro de Correspondência da Provedoria da Real Fazenda – Governo de Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, Vila bela, 26/06/1791. De Joaquim José Cavalcante de Albuquerque Lins ao comandante José Manuel Cardoso da Cunha, p. 89, APMT.: 35 Fundo: Defesa e Justiça, 22/08/1793, Lata 1793B, APMT.
13 Ofício do comandante José Pinheiro de Lacerda ao capitão-general, 13/07/1789, Lata 1789A, APMT
14 Ofício do comandante José Pinheiro de Lacerda ao capitão general, Microficha: 33, 13/06/1789, APMT.
15 Ofício do alferes de pedestres Joaquim de Souza Pereira ao comandante José Pinheiro de Lacerda, Microficha: 79, Fundo: Defesa, 30/06/1792, Lata: 1792B, APMT.
16 CARRAZZONI, Maria Elisa. Guia dos Bens Tombados Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1987. TELLES, Augusto Carlos da Silva. Atlas dos Monumentos Históricos e Artísticos do Brasil. Rio de Janeiro: FENAME/DAC, 1975.
17 Relação de Bens Tombados do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Vol. 42, n.º 196
Fonte: http://www.anpuh.uepg.br/xxiii-simposio/anais/textos/SUELME%20EVANGELISTA%20FERNANDES.pdf

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Cururu e siriri já são elementos de integração de Mato Grosso
Autor: JONAS DA SILVA - Redação/Secom-MT







Ednilson Aguiar/Secom-MT


Governador em exercício Silval Barbosa participa do 8ª Festival de Cururu Siriri de Cuiabá


O cururu e o siriri deixaram de ser uma manifestação cultural forte da Baixada Cuiabana e passa a ser elemento integrador dos mato-grossenses, ou, como na nova visão para o segmento, trata-se da territorialidade cultural. O resultado foi mostrado no 8º Festival Cururu Siriri de Cuiabá, no histórico bairro do Porto. Como puderam expressar o governador em exercício Silval Barbosa e o prefeito de Cuiabá Wilson Santos, a dança siriri e a música cururu já chegam a cidades do interior do Estado, como Nova Mutum (264 Km ao Norte de Cuiabá), município fundado por migrantes gaúchos, paranaenses e catarinenses. Ambos participaram do encerramento do festival na noite de domingo (30.08), por onde passaram cerca de 50 mil nas últimas três noites, de acordo com os organizadores. “Esta é uma grande festa popular. É importante ver a integração de Mato Grosso, com Santo Antônio do Leverger, Nossa Senhora do Livramento e Nova Mutum”, comparou Silval sobre cidades de formação distintas. “Ver Nova Mutum, cidade criada por gaúchos, paranaenses e catarinenses, totalmente sulista, se entregar ao cururu e siriri, é emocionante. A cultura pantaneira pode integrar o Estado. É religiosa e tem mais de 300 anos”, descreveu o prefeito. E para premiar a persistência pela promoção da cultura, autoridades entregaram no domingo o Prêmio Mestres da Cultura Popular, reconhecimento a pessoas que ensinaram e disseminaram esta cultura tradicional. Um dos premiados e homenageados desta etapa foi o poconeano Valeriano Máximo Nepomuceno, de 78 anos, sete décadas das quais de vida dedicadas à cultura. Ele é integrante do grupo Flor do Campo, do bairro Parque Ohara, região do Coxipó, em Cuiabá. “Aprendi com minha família, todos eram cururueiros. Eles morreram, eu fiquei na luta”, resume em um instante a carga cultural que levou adiante. “É a única brincadeira que gosto, é sadia, você brinca a noite inteira”, resume um pouco da sua história. Junto com “seo” Valeriano, foi premiada também a presidente do grupo Coração Cuiabano, Sebastiana Pereira Alves. Aos 65 anos, natural de Chapada dos Guimarães, ela diz que “nasceu dançando”. “A gente fazia amizades, contava histórias. O cururu e o siriri promovem isso: a reunião dos amigos para festejar a vida”, diz a filha de cururueiro e de dançarina de siriri na publicação do festival, coordenada pela jornalista Ana Cristina Vieira. A coordenadora de Ações Artístico-Culturais da Secretaria Estadual de Cultura, jornalista Ana Cristina Moreira, informa que por meio do Programa de Intercâmbio Cultural, o Estado de Mato Grosso tem cadastrado, habilitado grupos de siriri e cururueiros.
“O restante do Estado quer conhecer e aprender. Os municípios pedem e a secretaria envia cururueiros”, diz. Ela cita o conteúdo ambiental como foco de alguns grupos, como o Raízes Cuiabana. “É uma família, têm mais músicas originais com citação ao Pantanal. Eles cantam e citam animais do Pantanal”, afirma. Ela cita entre grupos de cururu e siriri que já passaram por capacitação os de cidades como Nova Xavantina, 645 Km de Cuiabá, na divisa com o Estado de Goiás, ocorrido na semana passada, cujos membros foram capacitados por um grupo de Várzea Grande; Tangará da Serra (239 Km da Capital); Barra do Bugres (168 Km); Sinop (500 Km ao Norte); e Gaúcha do Norte (595 Km ao Norte). Aguardam por capacitação grupos de Sapezal (480 Km a Noroeste de Cuiabá) e Canabrava do Norte, localizado a 1.215 Km a Nordeste de Cuiabá, no Vale do Araguaia. TRADIÇÃO O coordenador de Arte do grupo Pixé e assessor técnico da Secretaria de Educação e Cultura de Nova Mutum, o carioca Roberto de Oliveira, descreve que o cururu e o siriri antes era restrito, mas venceu essa barreira ao longo de três séculos. “O cururu e o siriri é uma tradição de 300 anos. Começou muito nas igrejas, ficou discriminado nos quintais, no espaço íntimo das famílias”, avalia. Roberto é carnavalesco e nos acessórios do grupo foi possível ver elementos como luminárias japonesas de papel e sombrinhas típicas do frevo. Membro do grupo, a dançarina Ariane Anderson Braga, de 18 anos, natural de Jaciara, comemora o avanço do grupo com a cultura. “Meu irmão me incentivou, fui ao primeiro ensaio e gostei. Tem um ano que danço. Quando entrei foi complicado”, diz da tradição prática passada de geração para geração. ARENA E com olhar na melhoria para os próximos festivais, o governador em exercício, Silval Barbosa, sugeriu trabalho conjunto entre a Prefeitura de Cuiabá e o governo do Estado para a construção de uma arena definitiva para as apresentações não apenas do cururi e do siriri, como de outras manifestações musicais populares, como o hip hop. “Cuiabá já comporta uma arena para fazer evento deste porte. É um grupo de pessoas fortes que espalham a cultura”, relata Silval, sob o som que marcava o ritmo e passos de apresentações no palco. “Falei com vereadores e com o prefeito para a gente elaborar um projeto aqui no bairro do Porto para ter uma arena”, sugeriu sobre o que já é chamado no meio como “Sirirão”. Nos três dias do festival, 18 grupos participaram das apresentações. No domingo, entre os grupos que subiram à Praça Cururu Siriri, no bairro do Porto, em Cuiabá, estavam o infantil “Yayá de Cuyabá”; o “Pixé”, de Nova Mutum; “Quilombola”, de Nossa Senhora de Livramento; “Raízes Cuiabana”, “Flor Ribeirinha” e “Viola de Cocho”, de Cuiabá; “Unidos da Fronteira”, de Santo Antônio de Leverger; e “Tradição Pantaneira”. Antes, em cidades do interior do Estado, houve apresentações e avaliações de estudiosos da cultura popular. Foram regiões que reuniram grupos de Cáceres, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Cuiabá, Várzea Grande, Chapada dos Guimarães, Planalto da Serra, Santo Antônio de Leverger, Barão de Melgaço, Nova Mutum, Rosário Oeste, Nobres, Jangada, Tangará da Serra e Barra do Bugres. O 8º Festival Cururu Siriri de Cuiabá foi organizado pela Prefeitura de Cuiabá e a Federação das Tradições Culturais, com apoio do Sebrae-MT, que realizou o 4º Festival Gastronômico de Cuiabá – Feira de Artesanato (Sabor & Arte). Além do Governo de Mato Grosso, por meio da Secretaria de Estado de Cultura (SEC), Banco Real, Unimed, Assembleia Legislativa, O Boticário, TV Centro América, Associação dos Amigos do Museu do Morro da Caixa D´Água Velha, Espaço Cubo, Abrafin, Casa Brasil e Prefeituras de Barão de Melgaço, Chapada dos Guimarães, Nobres, Nova Mutum, Nossa Senhora do Livramento, Santo Antônio de Leverger.




fonte: www.secom.mt.gov.br