sexta-feira, 25 de setembro de 2009

CAPITANIA DE MATO GROSSO
Roubo de índios, fugas e ataques: o cenário da fronteira Oeste;
Por: Alessandra Resende Dias Blau

O meu interesse em estudar os índios resulta de um preconceito de infância. Desde criança ouvia e repetia que os índios eram preguiçosos e que não necessitavam de tantas terras, já que não trabalhavam nelas. Não gostava quando ouvia pessoas de outros estados dizerem que em Mato Grosso só havia índios, para mim era uma ofensa. Sempre estudei em escolas públicas e não me lembro de ter ouvido ou lido na escola, seja no Ensino Fundamental ou Médio, assuntos que mostrassem os índios como seres relevantes para a história, eles apenas surgiam como meros atores coadjuvantes.
Quando comecei o curso de graduação em História, em fins da década de 90, meu interesse em relação aos índios foi mudando. Nessa época eram muito freqüentes as discussões sobre os 500 anos do “Descobrimento” do Brasil. Foram diversas as publicações sobre o “Descobrimento” e sobre os primeiros moradores das “terras americanas” – os índios. Comecei, então, a aproximar-me da bibliografia sobre esses “bárbaros” e me encantei.
Já no Mestrado, aprendi a pensar na utilização de índios e índias para o povoamento da Capitania, na segunda metade do século XVIII. E o desfecho disso tudo se materializou numa dissertação intitulada: O “ouro vermelho” e a política de povoamento da Capitania de Matogrosso: 1752-1798. O objetivo principal da dissertação foi discutir o papel representado pelos grupos indígenas localizados na repartição do Mato Grosso (consultar o mapa 1: Repartições do Cuiabá e do Mato Grosso – século XVIII), na dinâmica de povoamento colocada em movimento pelo Estado português, no período em questão. Procurei compreender as redes estabelecidas entre os interesses luso-espanhóis e os indígenas, na fronteira entre as duas nações ibéricas na América do Sul, iluminando alguns aspectos que me parecia importante para a construção do conhecimento histórico sobre a região.



A pesquisa foi pensada de modo a destacar a importância do trabalho indígena para a manutenção das terras da fronteira oeste para o império português. Ainda são poucos os estudos que enfatizam este aspecto, pois em geral, quando se pensa em mão de obra escrava a primeira referência é a dos escravos negros. No entanto, embora escravos africanos tenham representado papel importantíssimo também nas minas da fronteira oeste, sem a mão de obra indígena não teria sido possível ocupar os vastos territórios cortado por rios imensos e densas matas, tão bem conhecidos pelos índios. A exploração da mão de obra indígena foi tão intensa, que o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira advertia que se não diminuíssem os maus tratos a eles, a Coroa perderia uma mão de obra fundamental; dizia que, se os trabalhos escravos eram importantes nas minas da capitania, mas que o trabalho indígena era fundamental para a travessia dos rios e exploração dos recursos naturais contidos nas matas. Ferreira justificava as fugas dos índios, e dizia que os negros não fugiam para a África apenas porque não tinham meios para fazê-lo por estarem distantes do mar.
A partir da documentação pesquisada, pude perceber que a participação de diversos grupos indígenas em Mato Grosso utilizados para se “fazer povoações”, no século XVIII, adquiriu feições próprias, numa Capitania distante da Corte, e que precisava consolidar-se como território português. Ao longo de todo século XVIII os índios, “mansos” e “bravos”, ocuparam as páginas das cartas e ofícios de governadores da Capitania. Eles ganharam visibilidade nos textos, ora sendo “amigos” ou “súditos” da Coroa, ora sendo “bárbaros” ou inimigos mortais. Entretanto, observou-se que as hostilidades indígenas feitas aos espanhóis contribuíram para mantê-los afastados dos domínios portugueses, assim como o contrário.
Embora atualmente a população de Vila Bela seja identificada mais com a cultura negra africana, em sua gênese, contou com uma maioria de índios; negros e poucos “brancos”. Há que se considerar, no entanto, que a documentação pesquisada indica que o movimento de ocupação “branca” concorreu para a dizimação de muitos povos, que já não existem nos nossos “arquivos da memória”:
... continuando aqueles aventureiros as suas conquistas, chegaram a navegar o rio Paraguai, descendo uns pelo Coxim, outros pelo Embotetei, outros pelo Cahy, [...] e entrando pelas grandes baias [...] foram achando tantas nações de gentes que não cabem nos arquivos da memória e só me lembram as seguintes: Corayas, Taquasentes, Xixibes, Xanites, Porrudos, Xacorores, Aragones, Coxipones, Pocones, Aripocones, Mocos, Guatós, Araviras, Beripocones, Arapares, Hytapores, Iaymes, Guaicurus, Bororos, Paiaguas, Xarayés, Penacuicas e outros².
Muitos desses grupos indígenas não existem, são nomes que nos soam estranho. Outros, como os Bororo, permaneceram. E alguns devem ter garantido por meio da miscigenação a continuidade de seu povo.
Não é novidade estudos sobre a política de povoamento da Capitania de Mato Grosso e a predominância da população mestiça, proveniente, sobretudo, da descendência de índias com “brancos” ou com negros. Contudo, este trabalho procurou contribuir para o levantamento de fontes, sejam manuscritas ou impressas, sobre o tema, e para que suscitem outras pesquisas.
Alessandra Resende Dias Blau é professora no município de Cotriguaçu-MT, licenciada, bacharelada e Mestre em História pela UFMT. Leciona História na Escola Estadual Maria da Glória Vargas Ochôa. E-mail: ale2405@ibest.com.br



Notas:
1 - Expressão de Antonio Vieira em MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 96. Significa a riqueza adquirida com sangue e energia dos índios.
2 - SÁ, José Barbosa de. Relação das povoações do Cuiabá e Mato Grosso de seus princípios até os presentes tempos.Cuiabá: UFMT/SEC MT, 1975. p.10.
Autor do texto:Alessandra Resende Dias Blau
Montagem: Vitorio

Fonte: http://www.cefaprojuina.com

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