quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Conheça a História, Cultura e Religião da Cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade

Conhecida como a cidade do ouro, das ruínas e das negras finas, Vila Bela da Santíssima Trindade, é fruto do sonho do Capitão General Dom Antônio Rolim de Moura, que em 19 de março de 1752, fundou a primeira capital de Mato Grosso, antes denominada Pouso Alegre.Antes desse período, ainda estava em vigor o Tratado de Tordesilhas, e toda conquista empreendida pelos bandeirantes poderia passar a pertencer, legalmente, à Espanha. Assim, tornava-se urgente a fixação de um novo Tratado que o substituísse: o Tratado de Madri, firmado entre Portugal e Espanha, no ano de 1750, o qual veio demarcar novas fronteiras.Diante desse cenário, tratou Portugal de garantir o povoamento daquela região, especialmente na parte relativa à zona do rio Guaporé. Assim em 1748, foi criada uma nova capitania, a de Mato Grosso, desmembrada da capitania paulista.


Dom Antônio Rolim de Moura, de posse com a Carta Régia de D. João V, enviada de Lisboa, para fundar a sede administrativa da nova província de Mato Grosso, veio ao Brasil para desempenhar tal incumbência .
E Vila Bela, no extremo oeste do Estado, foi escolhida para ser a capital .
Levou-se em conta o seu ponto estratégico, seu relevo plano era apropriado para uma boa defesa militar, novas jazidas aurífera eram descobertas, o rio Guaporé, favorecia o acesso fluvial com diferentes países pelo Oceano Pacífico. Próxima do Paraguai e do Peru, Vila Bela, despertava cobiça tanto dos Espanhóis como dos Portugueses.


Religião
Em Vila Bela sempre existiu um ciclo de festas denominado Festança. Esta denominação, na sua origem, referia-se às celebrações relativas ao início do calendário agrícola, quando a terra era preparada para a semeadura. A festança era sempre realizada entre a segunda quinzena de setembro e a primeira de outubro, pois são os dois últimos meses da estação seca e a chegada da estação chuvosa. O objetivo de sua realização estava centrado no agradecimento externado pelos vilabelenses, aos santos, pela proteção dada à colheita anterior.Outras festas também eram realizadas, como por exemplo: Nossa Senhora do Rosário, Mãe de Deus, São Bendito, o padroeiro dos negros, a Santíssima Trindade que é a padroeira da cidade e o Divino Espírito Santo.
Gradativamente essas festa foram sendo agregadas no mês de julho, quando nas repartições públicas municipais decreta-se feriado por uma semana. Nesse período a cidade se reveste de cor, brilho, risos e êxtase.
Um festival de gestos, canções seculares e encenações, um jogo de rimas a céu aberto romperá o cotidiano simples de um povo, enraizado no Vale do Guaporé .
Vila Bela também é palco de várias lendas . Para os negros, além das lendas, há três espécies de seres encantados : o lobisomem, a porca e a bruxa.
Quanto as doenças "os vilabelenses acreditam que elas são sempre causadas por ações externas ao corpo. Os agentes naturais ou sobrenaturais é que são os responsáveis pela introdução das doenças no corpo. Os principais agentes causadores são os calores, as friagens, a água e o vento. Quanto aos agentes sobrenaturais, temos os decorrentes do não cumprimento de resguardos e de feitiços " (Lima-2000) Essa negra cidade serviria para estabelecer divisas e garantir a retirado do ouro que ali era encontrado em abundância. Mas o grande problema era como abastecer a nova capital, já que os produtos vindos da Capitania de São Paulo ficariam muito caros, tendo em vista o percurso a ser percorrido. A solução foi a criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que com sede em Belém, atingiria a região guaporeana navegando pelos rios componentes da Bacia Amazônica - Amazonas, Madeira e Guaporé. Por ali entravam, alimentos, roupas, instrumentos de trabalho e escravos africanos.
Viu-se que todo o Plano de Villa Bella de Mato Grosso, veio de Portugal, com suas linhas bem traçadas, onde fora planejado a construção da Igreja Matriz, dos jardins suspensos, do Palácio dos Capitães Generais, onde hoje se localiza a Prefeitura Municipal; a Provedoria da Fazenda, responsável pela parte financeira e fiscal; a Ouvidoria, a quem cabia tratar da Justiça; os seus fortes, fortalezas e prisões, que serviriam de pontos estratégicos de defesa do território; a Casa de Fundição, o quartel, a câmara, o cemitério, os oratórios e santos em madeira, datados do século XVIII, também de lá foram trazidos.
Como pano de fundo, lá está ela, a Serra Ricardo Franco, chapadões, montanhas, cortadas por diversas cachoeiras, algumas com até 218 metros, como a do Jatobá, considerada a maior do Mato Grosso. Por trilhas estreitas, chega-se à Cascata dos Namorados, uma cachoeira com cerca de 80 metros, onde o seu véu cria verdadeira caverna, cuja entrada se abre diante de um lago de águas claras. Mais adiante, podemos encontrar uma outra cachoeira, bem menor, a Cascatinha, entre altas copas de árvores .
Entre a Serra e a Vila, encontra-se o Rio Guaporé, com suas águas límpidas, seus aguapés lentos e vegetação exuberante, correndo bondoso para o Norte. Nele convivem botos , matrinchãs, cacharas, pintados, pacús, tucunarés...Com o correr do tempo, observou-se que toda a beleza do Guaporé, o qual encantara Dom Antônio Rolim de Moura, era também motivo de desesperança. No seu período de cheia, grandes plantações eram destruídas, as doenças tropicais da Amazônia, como a malária e o maculo dizimava a população, e quem mais sofria com tudo isso eram os negros escravos, trazidos para atender a cobiça dos europeus. Morriam sem qualquer assistência e os que resistiam, curta era a sua longevidade.
Mas, Vila Bela da Santíssima Trindade, foi resistente, foi desbravada, edificada, cultivada. Suas grandes construções em pedra canga foi fruto da saga e tenacidade de um povo que não esmoreceu-se, que lutou e luta até hoje para sobrevier e expressar o seu direito de ser negra.Aos negros que para lá foram levados negou-se tudo, inclusive o seu próprio patronímico de origem, os quais foram atribuídos conforme a ligação de cada família na comunidade, como por exemplo a família Profeta da Cruz, a família Bispo, que eram negros que serviam e servem até hoje a igreja católica.


Dança do Congo
A dança do Congo, que é o resgate de um passado distante de africanas raízes, é ensaiada meses antes sob os olhares atentos dos pequenos garotos, futuros guerreiros, que aprendem com os mais velhos os segredos do ritual.
No dia esperado, ao nascer do sol lá estão eles pelas pequenas ruas da cidade, cantando em entremeios do dialeto africano, com suas roupas extremamente coloridas e seus capacetes de pena, fazendo a cidade se transformar em um pequeno pedaço da África.
Após pegar de casa em casa todos os festeiros - Rei, Rainha, Juiz, Juíza e Ramalhetes - que são pessoas da comunidade local, que se sentem extremamente lisonjeadas com a escolha, são levados até a igreja, onde se realiza a missa em louvor a São Benedito. Sua imagem, assim como outras, em madeira talhada, vinda diretamente de Portugal, datada do século XVIII, é venerada por todos.
A missa é animada pelo Coral Consciência Negra, composto por jovens e adultos, os quais vestem roupas amarradas pelo corpo, lembrando os antigos negros escravos. O padre da paróquia, também se insere no contexto, usando uma batina com detalhes africanos. Toda a comunidade parece estar sedenta em ser cada vez mais afro. A animação é geral e contagiante, o ritmo das músicas é acelerado, tudo se identifica com a alegria do lugar.
No ofertório, crianças entram com frutos da terra: carambólas, bananas, piquís, castanhas, laranjas, cajá, ingá, cana-de-açúcar, biscoito de ramos-negreiro ....cantando:
"Quem disse que não somos nada, que não temos nada para oferecer?Repare nossas mãos abertas, trazendo as ofertas do nosso viver". (bis)
Na festa se evidencia o religioso e o profano, o catolicismo e o misticismo, manifestados pelas rezas e danças sensuais, pelo louvor e pelas serenatas, pela missas anunciadas com o tocar dos sinos e pela presença do Congo e do Chorado; danças que refletem histórias de batalhas e sofrimentos.

Dança do Chorado
A Dança do Chorado, é exclusiva das mulheres, que com seus gingados e trejeitos faceiros, bamboleiam as cadeiras ao brilho do sol, com seus vestidos rodados. Cada música tem sua coreografia padronizada, com conteúdo sensual. Num determinado momento, cada uma delas dançam com uma garrafa de "Kangingin" na cabeça, o que não lhe tiram a suavidade e destreza dos movimentos. Mas a história da dança, revela o seu lado triste, tendo em vista que as escravas utilizavam-se dela para amenizar a pena de seus entes queridos, quando este empreendiam fuga. Aos senhores de escravos, elas dançavam e sorriam, mas os seus corações choravam. Isso muitas das vezes ajudava na conquista do perdão ou de uma amenização dos castigos, ao amanhecer.
A bem pouco tempo, a Dança do Chorado era realizada nos fundos das casas dos festeiros onde estava sendo preparada a comida para a comunidade, enquanto as senhoras descansavam da lida. O batuque dos banquinhos, mesas e cadeiras ressoavam cozinha a fora, despertando a curiosidade dos que ali passavam. Ao parar eram levados para dentro, amarrados por um lenço. Lá eram instigados a pagar alguma coisa, lembrando as bebidas que os patrões muitas vezes davam.


Hoje elas se apresentam na frente da Igreja Matriz, antes da coreografia da Dança do Congo; sempre com suas cantigas falando de conquistas, paixões e intimidades. Ao centro da roda, as autoridades são levadas com um lenço amarrado no pescoço, onde as mulheres, com sua graciosidade de movimento, faz com que eles levem até elas as garrafas com que iram se apresentar.


O Congo, que por uma questão inexplicável não entra na igreja; após a missa, encena uma luta milenar, dando um sentido africano a todos os símbolos e santos brancos. Há nele diferentes personagens, entre eles o Rei do Congo, seu filho Kangingin, seu secretário de guerra, os vinte e quatro guerreiros do Rei de Bamba e o embaixador que o representa.
"Cheio de ardis, recuos e estratégias de guerra, o Congo é um jogo de rememorização, repleto de palavras e expressões africanas, que vão sendo afirmadas e reconsideradas ao longo dos embates, travados entre as duas partes contentoras. Que mesmo lançado mão dos signos cristãos, a festa desemrola-se em espaço profano, na rua, desvendando todo o espaço de uma religiosidade afro que não se perde nas malhas finas do tempo ".
O Rei do Congo, que praticamente já havia perdido a batalha, sob o cantar de guerra e das espadas em punho dos guerreiros, entrega a seu secretário, um símbolo africano de magia e poder- o embreve - o qual envoca a proteção de forças ocultas e de São Bendito, e mata a todos.
O território do Congo se lava em sangue. E o Monarca ordena que todos os soldados sejam trazidos a presença da sua real coroa. Seu secretário, como num passe de mágica, com um pequeno toque, faz com que todos se ressuscite. O barulho do tambor, ressoa novamente nos ouvidos dos que ali se encontram. Cantos e versos repentes são entoados em homenagem ao Rei do Congo e a São Benedito. Esse é um momento muito especial para a comunidade, tendo em vista que as rimas é forma de reivindicar, protestar, agradecer, louvar; tornando-se num parlatório, onde são aplaudidos ou não, dependendo da aceitação popular.
Após a grande expressão corporal, os festeiros são levados até suas casas, e toda a comunidade se delicia com os almoços e os jantares oferecidos por eles, regados ao "Kanjinjin" e aos doces caseiros.
Nota-se que toda a comunidade se envolve de alguma forma especial, seja como organizador das celebrações, seja como voluntário para fazer a comida , como ajudante para levar a sombrinha que protege do sol os festeiros, seja como mero espectador que entoa as músicas dos guerreiros. No dia seguinte, outra missa é celebrada com a presença da irmandade de São Benedito, composta por pessoas antigas da comunidade, que fazem a escolha dos novos festeiros, que antecipadamente colocam seus nomes a serem apreciados. Os novos e os antigos festeiros, saem dali, acompanhados novamente pelos guerreiros do Congo, que fazem durante o dia todo suas reviravoltas pela cidade, contagiando novamente a todos. A festa finaliza-se no entardecer, com o cair da noite, com a seguinte rima:
"Acabou-se a festa, com muita alegria, Viva Benedito Santo, hoje é o seu dia"(bis)
Exaltação a Tereza de Benguela
Oprimidos pelo açoite, os escravos fugiam constantemente, e formavam quilombos no Vale do Guaporé. Mas um deles significaria para o povo vilabelense, símbolo de resistência e liberdade, o quilombo do "Quariterê" ou quilombo do "Piolho", já que estava localizado na margem ocidental das águas do Rio Piolho.


Governado pelo regime de Monarquia Parlamentarista, todos trabalhavam e usufruíam dos frutos de seu trabalho de forma socialista. Interessante destacar que ali não vivia apenas negros, mas também índios e chiquitos, considerados assim, por serem habitantes da divisa do Brasil com a Bolívia.
Resistiram por 30 anos aos ataques da Coroa Portuguesa, que inclusive acreditava que o quilombo era liderado por um negro conhecido por Zé Piolho, mas que somente após uma emboscada, no período noturno, pôde se descobrir que por trás daquelas resistências estava uma Rainha Negra - Tereza de Benguela - viúva de Zé Piolho. Mulher altiva, corajosa, decidida, enérgica e muito justa.


Com a destruição do Quilombo do Piolho, foram aprisionados quilombolas e índios; Tereza que não se conformava em ver-se novamente subjugada à escravidão, morreu de cólera. História que inspirou o carnavalesco Joãozinho Trinta, no enredo da Escola de Samba Viradouro, no ano de 1994.
Ocorre que outra versão existe sobre a morte de Tereza. Que teria ela se suicidado após ter sido captura pêlos soldados portugueses. Mas isso pouco importa para o povo vilabelense. Já que para eles Tereza é símbolo de luta, persistência, garra e principalmente de amor a liberdade.
Entre os anos 60 e 80, do presente século, em função de novos fatores econômicos, ou seja, dos incentivos dados pelo governo federal para a ocupação do interior do Brasil, muitos brancos migraram para a região, provocando mudanças no quadro demográfico. Essas mudanças afetaram também os usos e costumes, a cultura e a língua . Transferência da Capital para Cuiabá
O clima de instabilidade e escassez do ouro fez com que em 1835, no Governo de Francisco de Paula Magessi, transferisse a capital para Cuiabá/MT, a 520 Km de Vila Bela, tornando-se mais7 barato para a Coroa Portuguesa abandonar tudo que ali fora construído, inclusive os negros escravos. Levá-los para a nova capital seria muito oneroso, ficaria mais em conta a aquisição de outros na Villa Real do Bom Jesus de Cuiabá. Os negros herdaram uma cidade em ruínas. A população passou a concentrar suas atividades no extrativismo: extração da poaia e da borracha. A terra que até então fora lavrada sob o julgo do trabalho escravo, agora era território de liberdade e posse comunitária. Era dono dela, quem nela trabalhasse.
Abandonados a sua própria sorte, a heróica gente vilabelense, formada por uma maioria negra, detentores de um importante e rico contexto cultural e histórico, resistiu espelhados na Rainha Negra Tereza de Benguela. A escravania negra que nesta querida cidade permaneceu resguardando ao Brasil essas fronteiras e a cultura milenar de nossos ancestrais; com muito sacrifício lutou, mesmo com todas as dificuldades de comunicação com qualquer parte dessa gigantesca nação. Sem recursos e sem conforto, a heróica gente vilabelense não esmoreceu e resistiu as intempéries do tempo.
Hoje, Vila Bela está completando 250 anos, com uma população de mais ou menos 70% de negros, e todos esses anos significa um símbolo de resistência, de exercício de cidadania através da preservação de sua cultura milenar, que é condição básica para a sobrevivência da população.
Há quatro meses vem sendo desenvolvido o projeto "Fronteira Ocidental", onde pesquisadores que estudam a arqueologia e a história da primeira capital de Mato Grosso, concluíram que a região foi habitada há mais de vinte anos. E querem que Vila Bela seja patrimônio histórico mundial.
Para a arqueóloga Érica Gonzales, "Na região de Vila Bela nós temos sítios arqueológicos com os vestígios dos primeiros habitantes do Brasil, inclusive da América como um todo, de 25 mil anos para cá".
"No subsolo da cidade a gente tem 250 anos de história de formação de Mato Grosso, do Brasil, que tem que ser explorado em benefício da própria comunidade", afirmou o coordenador do projeto Paulo Zantini.
Veja que é preciso que sociedade vilabelense se organize, para que num futuro bem próximo possa exercer seus direito e não deixar que mais uma vez sejam explorados pelos que para li vão apenas com o intuito de subtraí-los.
FONTE:
http://www.vilabelamt.com.br/congo.html

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