sexta-feira, 16 de abril de 2010

CRÔNICA
Sobre velhos hábitos e arrependimentos tardios” ou “O que o Bial disse na revista”

Viu o que o Bial disse na revista?, perguntei ao meu amigo que, até aquele momento, se mostrara incrivelmente apático em relação ao nosso diálogo. E ele: Em que revista?... O que ele disse? Na Playboy, respondi. Segundo Bial, todo homem, independente da idade, é adepto do sexo solitário. Que exagero, retrucou, irônico. Quer dizer então que o senhor anda a se divertir com revistas de mulher pelada? Foi o que me disseram, argumentei. Não vi a revista. Portanto, nem sei se é verdade. Enquanto enchia outra vez o meu copo, chamei o garçom. Falei com voz empostada: Fui o maior onanista de meu tempo... O meu amigo arregalou os olhos: Você? Que eu, rapaz?, expliquei: é um verso do Oswald.
Olha, Odair, chega de citações por hoje, tá legal? Vou contar o que aconteceu comigo, pra ilustrar o meu ponto de vista. Quando era criança, eu tinha uma professora particular que me auxiliava com os deveres em sua casa. Nossa, como eu aprontava! Ao menor descuido dela, eu simplesmente desaparecia. Ela saía então pela casa me procurando, abrindo e fechando portas, e me chamando pelo nome. Foi após um desses vacilos de minha professora, que encontrei, no quarto do irmão dela, uma coleção de revistas de mulher pelada escondidas sob o colchão. Foi o meu primeiro alumbramento!... Não tive dúvida: guardei imediatamente a revista na mochila. Levando em consideração a quantidade de revistas que possuía, capaz que o dono nem tenha dado pela falta – ainda que vez por outra eu tenha lhe dado outros desfalques. No fundo do quintal de casa, embaixo de um velho tambor enferrujado escondi minhas revistas, não sem antes tê-las protegido em sacolas plásticas. Havia quintais naquela época, além de muitos lugares onde eu podia me esconder, agora na companhia de minhas agradáveis mulheres de papel.
Ah infância, refúgio dos sonhadores entediados...
Para, Odair, gracejou o meu amigo, secando mais uma vez o seu copo.
Rimos. Eu: Prossiga.
Um dia, levado por intensa comoção, estive a elogiar os cabelos, os rígidos seios e as formas de minha amada. Inspirado nas cenas de novela (até então eu não havia assistido filmes pornográficos), deitei minha mulher no chão e me pus a dizer belíssimas (e ridículas) e enternecidas declarações de amor em seus ouvidos. Quando dei por mim, estava o seo Mineiro parado bem ao meu lado, quieto, me olhando. Está lembrado dele? Um velho aposentado do exército, cabeça inteiramente branca, que andava sempre de óculos escuros e, segundo dizem, não os tirava nem para dormir?, eu disse. Exatamente, ele confirmou. Não sei durante quanto tempo o velho esteve ali observando a patética cena protagonizada por um menino e sua musa... Também nem quis ficar para saber. Flagrado em semelhante delito, ergui meu short, apanhei o pôster que ficara sob mim todo amassado e fugi desembestadamente em direção ao lugar onde costumava me refugiar quando me encontrava em apuros. Ali, na beira do Rio Cuiabá, sentado sob o sarã, estive a meditar durante horas sobre a difícil situação em que me encontrava. Eram os duros anos da Ditadura, época de incríveis proibições e punições severas. Enfim, como eu precisava expiar a minha culpa, atirei sem mais demora as revistas n’água, que as levou e lavou-me a alma. Desde então, rapaz, que não faço mais isso. Me lembro sempre da figura enigmática do Mineiro ali ao lado me observando. Agora vem o Bial a público e diz este absurdo. Que todos os homens... Todos, menos eu! Mas, mudando de assunto, Odair. Você continua escrevendo pro jornal? Claro, respondi, ao mesmo tempo em que acenava com a cabeça afirmativamente. Olha lá, hein. Vê se não vai colocar o que eu acabo de falar pra você em uma de suas crônicas.
Pode ficar sossegado.


Odair de Morais é escritor e colabora com o DC Ilustrado
professor_odair@hotmail.com

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