domingo, 25 de abril de 2010

De futebol de botão a gol de bicicleta
Odair de Morais*Especial para o Diário de Cuiabá


Outro dia um aluno veio me mostrar o seu álbum de figurinhas da Copa quase completo. Pelo seu moicano pude perceber que jogador anda lhe fazendo a cabeça. Estava orgulhoso, pois alargara o seu campo de conhecimento, principalmente em Geografia. E, para isso, conforme me disse, investira apenas uns trocados referentes a dois dias de lanche na cantina da escola. Quase nada para quem agora viaja por diversos países cujas seleções, nos próximos dias, devem desembarcar na África do Sul pra disputar a Copa do Mundo. É incrível como apesar da existência de outras mídias esse tipo de publicação continue a exercer tamanha influência na imaginação infantil através dos tempos. Na minha época já existia. Pra você ter uma ideia, o pai de um colega, quando eu era criança, guardava como relíquia um álbum da Copa de 78. Cá com meus botões, acho bem provável que Pelé, sonhando ser um grande jogador, também folheasse o seu em 1950. Em minha casa, o amor pelo esporte bretão costuma brotar bem cedo. Em alguns casos, eu diria que chega a ser precoce. Meu sobrinho, por exemplo, aos três anos de idade, aprendera a contar até onze debruçado sobre em um tabuleiro de futebol de botão. E, ainda tatibitate, dava a escalação do Corinthians, campeão da Copa do Brasil, em 1995. Por falar em futebol de botão, os melhores goleiros eram os de caixa de fósforos, que fechavam o arco e dificilmente tomavam gol por cobertura. As melhores bolas, sem dúvida, eram as improvisadas com botões de camiseta. Por isso o nome do jogo. Futebol de botão. Um toque de raspão e a bola ia com efeito pro gol adversário. Ainda criança, ganhei de meu pai um almanaque com as principais informações sobre o futebol brasileiro desde Charles Muller e Friedenreich. Ali eu fiquei sabendo que em 1930 a seleção canarinho enviou uma delegação para a Copa do Uruguai composta apenas por jogadores cariocas. E que o Vasco da Gama foi o primeiro clube brasileiro a ser campeão tendo um jogador negro na equipe. Soube inclusive que Leônidas da Silva, o Diamante Negro, imortalizado numa fotografia, de 1948, foi o inventor da bicicleta no futebol. E que a Lacta o homenageou criando o famoso chocolate. As informações do futebol regional a gente recebia na vizinhança mesmo. Passava sempre, em frente de casa, tal qual um andarilho, um certo Mão de Onça, já bastante magro e delirante. Me disseram que fora um grande goleiro do Operário, quiçá o melhor de todos os tempos. Eu não podia acreditar como permitiram que ele se tornasse aquilo, se, quando jovem, fora tão glorioso, como o meu pai falava. Havia campeonato de embaixadinha (tenteio) na rua. Brincávamos de bobinho (baratinha). Um senhor, já bem barrigudo e de chinelos, entrava na roda com os moleques. Chamava-se Arlindo. Me lembro dele ouvindo futebol num radinho de pilha inteiramente envolto com elástico. Meu pai me explicara que seo Arlindo era operariano fanático. E, ao ouvir um gol sofrido pelo Chicote da fronteira, tentara silenciar o rádio jogando-o no chão. Mas, minutos depois, crente de que seu time pudesse virar o placar do jogo, se arrependera e por isso o consertara daquele modo estropiado. Meu irmão me aconselhava a assistir aos jogos. Segundo ele, aprendera a dar chapeuzinho, trivela e drible-da-vaca observando o movimento dos craques pela telinha. Eu mesmo presenciei o que talvez tenha sido sua maior proeza. Um gol de bicicleta no apagar das luzes. Não no final do jogo, como dizem, metaforicamente, os locutores esportivos: estava anoitecendo mesmo. A bola tinha ido parar no telhado. A pelada era num quintal vizinho. Vi quando ele se posicionou sob a cumeeira, como quem fosse apenas aparar a bola. Mas, quando o primeiro gomo apontou na beira da telha, ele armou o movimento, e, enquanto ela ia caindo lentamente, vimos, embasbacados, o giro de costas no ar, a pedalada e o arremete certeiro. Indefensável. Ninguém tinha imaginado que ele fosse realizar a acrobacia. Ainda ontem falamos a respeito. Ele me perguntou: por que você não conta em uma de suas crônicas como fiz aquele golaço? Embora corra o risco de ser tachado de mentiroso, só pra encher a sua bola, farei o registro. Pode comemorar.
*Odair de Morais é escritor, professor e colabora com o DC Ilustrado

Nenhum comentário:

Postar um comentário