quinta-feira, 30 de dezembro de 2010


Os municípios e o poder político dos coronéis em Mato Grosso-Uno


*Pedro Agostinho
Mestre em História do Brasil. Sócio da Associação Brasileira de Educação a Distância e participa de fóruns sobre educação e Plano estratégico de defesa brasileira.
Incorporamos as observações de Maria de Lourdes Janotti: “(...) O falseamento da representação política no Brasil calcado, acima de tudo, na exclusão econômica de grande parte da população” . As relações autoritárias, de um lado, a oligarquia rural e, de outro, a máquina burocrática do Estado, contribuíram para formular um projeto político com bases de exclusão social e de representação de interesses, quando deveria dar sustentação a um sistema político que criasse condições para que outros setores sociais pudessem participar diretamente. Essa idéia de reforma nas instituições democráticas no Brasil, propagada, sobre tudo a partir de 1945, não significou sua prática no bojo das discussões políticas que se sucederam a partir desse período.

Essas observações não atestam a inexistência da vontade popular nas urnas, embora pouco explícita. Nessa conjuntura, percebe-se uma resistência do eleitor no sentido de responder a esse processo de exclusão social e econômica, utilizando o voto como moeda de barganha, quando há possibilidade de obter vantagens econômicas. Marilena Chauí, ao destacar a verticalização da sociedade brasileira em seus aspectos sociais, destaca que a desigualdade serve como escudo na relação mando-obediência. Acompanhemos suas observações: (...) A sociedade brasileira é marcada pela estrutura hierárquica do espaço social que determina a forma de uma sociedade fortemente verticalizada em todos os aspectos: nela, as relações sociais (...) são sempre realizadas como relação entre um superior que manda, e um inferior que obedece. (...) As relações entre os que se julgam iguais são de “parentesco”, isto é, de cumplicidade ou de compadrio; e entre os que são vistos como desiguais o relacionamento assume a forma do favor, da clientela, da tutela ou da cooptação. (CHAUÍ, 2000, p. 89, grifo nosso).

Na década de 50, os municípios de Paranaíba (1857), Três Lagoas (1915), Aparecida do Taboado (1948) e Cassilândia (1954) eram os municípios que apresentavam o maior número de eleitores e, portanto, os locais onde se concentravam as principais disputas políticas partidárias e contaram com o apoio dos coronéis da terra.

Em Paranaíba e em Três Lagoas, os dois principais municípios do Bolsão, as disputas políticas entre os representantes da UDN e do PSD eram mais acirradas. Nessa região, as eleições para Governo do Estado, para Deputado Estadual , e para Deputado Federal, para Vereadores, para Senador da República e para Prefeito, dividiam apoio dos fazendeiros, comerciantes, enfim, de todos aqueles grupos que procuravam participar do governo, ou do poder, com o intuito de receber vantagens após terem elegido seu(s) candidato(s). O ex-deputado Estadual pela UDN, Edward Reis Costa , observa que a cidade de Três Lagoas não foi propriamente uma cidade udenista, mas sempre proporcionou vitórias bonitas à legenda. Destaca nosso entrevistado que um fator relevante em relação à conjuntura política na qual competiam a UDN e o PSD, com longa margem de vantagem para o último, o qual se explicava pelo fato de o PSD contar com o apoio da máquina burocrática do Estado.

A título de ex., citamos a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, à época poderosíssimo curral eleitoral, segundo Edward, curral eleitoral do PSD. Ele observa ainda que a Noroeste era utilizada de modo aberto, em favor dos militantes do PSD e do PTB, os dois partidos fabricados por Getúlio Vargas para viverem sempre juntos e juntos darem continuidade ao comando dele na vida da República. O PTB foi fundado Getúlio e tinha nele seu presidente de honra vitalício; o PSD fundado por seu genro Amaral Peixoto, e tinha nele como seu genro o presidente de honra vitalício. Tudo em casa ironiza Edward Reis Costa. Não há dúvidas de que a Noroeste tinha um peso muito grande, em termos de votos, para o PSD, principalmente a partir da década de 50, e segundo o ex-deputado Edward, para a UDN a Ferrovia significava um obstáculo a ser vencido dentro dos municípios por onde passasse.

O governo Estadual e municipais podiam trocar de mãos, mas a Noroeste era órgão federal, onde imperavam absolutos os descendentes do Estado Novo. Ali ditavam concessões, conferiam chefias e distribuíam cargos e posições, em ordem decrescente de “cima para abaixo”, os homens do PSD-PTB. Assim questionou o ex-deputado Edward Reis Costa: “Pois não fora isso mesmo o que programara Getúlio, com a criação desses dois partidos, a fim de continuar, ele próprio e sua máquina, no poder, depois de sua queda em 45”? Indagamos a respeito da Noroeste do PSD, o ex-deputado pronunciou: As perseguições aos que adotavam posicionamento adverso aos interesses desses políticos, na estrada, eram escancaradas. Ninguém as escondia. Ninguém as dissimulava. Ao contrário, faziam do anúncio prévio delas o instrumento primeiro de pressão, o qual, já por si, operava efeito esmagador.

O elevado percentual dos seus funcionários no cômputo dos eleitores, acrescido a isto a influência aberta exercida sobre a vida política dos servidores e seus familiares, ditava praticamente o resultado dos pleitos. Acontecimentos históricos, sem dúvida, desses que marcam forte a política num lugar. Não se tratava da conquista de um chefe adversário de força reconhecida; era a conquista do oficial maior do “peessedismo treslagoense”, aquele que, anos após anos, pleitos após pleitos, no meio rural, nos distritos e nas cidades, nas ruas e nas casas, de dia e de noite, manipulavam com o eleitorado do partido, com desenvoltura absoluta.

Não seria diferente se a UDN obtivesse em suas mãos as rédeas da N.O.B. As disputas entre os dois partidos não respeitava nenhuma postura ideológica ou partidária. Eram disputas onde alguns chefes locais buscavam sobrepor seu poder sobre o outro, quando das eleições de seus representantes no executivo municipal e estadual. O ex-deputado Edward Reis Costa afirma que, mesmo a União Democrática Nacional estando diante de uma conjuntura desfavorável politicamente, elegera dois dos cinco prefeitos eleitos no período Na região localizada no sul do Estado de Mato Grosso, a região do Bolsão-Sul-Mato-Grossense, em nível municipal, percebemos uma predominância do Partido Social Democrático , entre outros personagens que participaram ativamente desse processo, e de famílias associadas ideologicamente a esses políticos.

No entanto, de uma maneira geral, a hegemonia política na região era mantida por um equilíbrio entre o PSD e a UDN, considerando que o poder político determina as relações que ora são visíveis nessa disputa entre os atores envolvidos no período de 1945-58. Nos pleitos eleitorais que envolviam interesses dos mais diversos em todos os setores, considerando o período pós-anos 50, a disputa pelo domínio da política regional, em conseqüência do momento histórico que se apresenta, utiliza-se do discurso ideológico como mecanismo de convencimento.

A violência coercitiva praticada pelos coronéis ainda é visível em todos os municípios do Bolsão. Porém, as práticas coronelísticas estão presentes com uma nova roupagem. Coagir, reprimir, perseguir eram ditames a serem considerados, só que agora essas ações se manifestam num grau mais dosado. Neste contexto, podemos observar a mesma conjuntura também nas eleições para deputado federal, em que prevalece o mesmo equilíbrio entre o Partido Social Democrático e a União Democrática Nacional. O processo de Redemocratização trouxe uma esperança de liberdade de pós-Estado Novo e, assim, a prática populista é visível nos governos que se sucederam, no entanto, a espectativa de democracia é quebrada onde, segundo Dagnino e Greiner Costa (2002) “(...) o poder dos “coronéis” foi paralelo e de controle ao poder do Estado.

Essa herança influenciou o nosso ideal de cidadania, as nossas classes populares sempre foram excluídas de todas as decisões políticas e assistiram a todos os desmandos destes personagens “donos do poder”. As principais consequências, foram as relações patrimonialistas estabelecidas, que acabaram por influenciar nos ideais de autonomia, liberdade e cidadania da nossa sociedade” (grifo nosso). O Estado Patrimonial segundo FERREIRA (1993, p. 201-2) subordina a sociedade às relações paternalizadas onde ele é visto como o “benfeitor” e “protetor”. Esta é a concepção dominante de Estado que se mantém através dos tempos, “...o doador, o fazedor da ordem, da justiça, do direito e do favor... Todos esperam do Estado, favores que possam ser redistribuídos de alguma forma”.

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