sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011


TANQUE NOVO
Doninha do Caeté

Os acontecimentos de Tanque Novo ocorreram em Poconé, entrada para o pantanal mato-grossense, os índios beripoconé e Guató, pertencentes a nação Borôro, constituíam a população originária, seguida dos colonos mineradores, os quais, em pouco tempo, exterminaram os primitivos habitantes.

História do Tanque Novo - Doninha do Caeté
Foi nesta região, precisamente em um localidade denominada de Tanque Novo, onde residiu a família Lacerda e Cintra que, com inúmeros filhos, vivia modestamente da agricultura e da criação de animais, porem sem miséria. A nona filha do casal, chamada de Laurinda Lacerda Cintra, mais conhecida como Doninha, em 1931, aos 22 anos de idade, mãe de 2 filhos e grávida de um terceiro, começou a Ter visões de uma Santa, inicialmente chamada de "Maria Da Verdade" e, que posteriormente passou a ser chamar "Jesus Maria José". A partir dessas aparições, Doninha passou a ser solicitada, uma vez que a Santa, não só lhe aconselhava sobre doenças mas também fazia algumas previsões sobre o futuro.
Após uma série de curas, as quais originaram romaria, a região de Tanque Novo tomou outra paisagem, de um arraial pacato, transformou-se numa pequena vila, relativamente populosa, pois muitos que procuravam Doninha, passaram a residir ali.
O ano de 1930 foi marcado por eleições para Presidente da República brasileira, nessa ocasião duas chapas concorreram: uma delas tendo a frente Getúlio Vargas que, apoiado pela Aliança Liberal, confrontava-se com a segunda chapa encabeçada por Júlio Prestes.
Júlio Prestes se sagra vencedor da eleição, onde as chapa de getulista não teve se quer um voto em Poconé, porem em um golpe militar em outubro de 1930 Getulio assume o poder, fecha o Congresso Nacional e extingue os partidos políticos existentes, começa as perseguições políticas.
Para defender as causas getulistas em Poconé, é nomeado para Prefeito o Coronel Manuel Nunes Rondon ( conhecido como "Ben Rondon" ), e foi neste momento que Laurinda intensificou os trabalhos de atendimento às pessoas que a ela vinham a procura de conselhos ou curas para seus males, sempre sob a invocação da Santa " Jesus Maria José".
Para conquistar o apoio de Tanque Novo, que cada dia aumentava sua população, Ben Rondon auxiliava e colaborava com o arraial, seja com mantimentos, ou com reguardo político. Foi nesse momento (1931/32) que foi construído um grande barracão destinados a abrigar todos os doentes atendidos pela Santa, assim como foi construída, sob o sistema de multirão, uma igreja dedicada à Jesus Maria José.
Em julho de 1932, estourava a revolução constitucionalista em São Paulo e a adesão do sul de Mato Grosso, cujas as forças estavam comandadas por Bertoldo Kliger, exigia que Vargas levassem a frente uma de suas mais importantes proposições revolucionárias, a elaboração de uma constituição para o Brasil.
Ao final, o governo federal derrotou, pela força das armas, o grupo insurreto, porem atacou e levou a frente o apelo constitucional. Já no final do ano de 1932, Vargas retomou a abertura do processo eleitoral, visando eleger, em cada estado da federação, os representantes junto à Assembléia Nacional Constituinte. Ao fazer isso, Vargas liberou a formação de partidos políticos. Em Mato Grosso, surgiram três partidos: Partido Liberal Mato-grossense ( situação ); Partido Constitucionalista de Mato Grosso ( oposição ); Partido da Liga Eleitoral Católica.
Como podemos observar, o momento político brasileiro havia se transformado, o movimento de 1932 viera indicar a existência de um forte grupo de oposição a Vargas, o qual se articulava e até intentara o chefe do executivo, através de movimentos armados. Getúlio percebeu que, para a eleição à Assembléia Constituinte, seria necessária a adoção de uma oposição firme, no sentido de desarmara e desarticular a oposição, de forma a sair vencedor o seu grupo político partidário.
Essas alterações políticas teve serias repercussões para Mato Grosso, especialmente para a região de Poconé. O Inventor Artur Antunes Maciel havia sido substituído por Leônidas Antero de Matos e, na prefeitura de Poconé, foi afastado Ben Rondon e em seu lugar assumiu Antônio Avelino Correia da Costa.
Nesse momento os habitantes de Mato Grosso já deveriam se manifestar politicamente, aderindo às claras, a este ou a aquele partido político. Os habitantes de Tanque Novo foram identificados com o partido oposicionista a Vargas. Se Ben Rondon havia apoiado Tanque Novo, o novo prefeito, também conhecido como "Nho Tico", agiu de forma contrária, perseguindo os moradores do arraial, uma vez que sua missão, naquele momento, seria a de desestabilizar as forças oposicionistas. Desta forma enviou para Tanque Novo um contigente policial que, sob pretexto de anarquia na localidade, tinha ordem de prender seus habitantes e principalmente Doninha, responsável primeira pelo aglomerado humano ali existente.
A alegação de desordem de Tanque Novo não procedia, uma vez que Doninha proibia, terminantemente, aos habitantes do lugar, ingestão de bebidas alcoólicas, assim como a prática de jogos de azar, desta forma a vida em Tanque Novo era bem pacata, onde o cotidiano do arraial era de que no inicio do dia realizava-se uma procissão que partindo da residência de Doninha ia ate a igreja, depois da reza, as pessoas se dirigiam para seus afazeres na roça ou em casa, sendo que Doninha passava o dia atendendo as pessoas que a procuravam. Ao final do dia, nova procissão seguia ate a igreja, onde ao nela entrar as pessoas eram obrigadas a tirarem os sapatos, sendo que as mulheres a utilizar um véu.
O arraial recebia doações feitas por fazendeiros e comerciantes, simpatizantes de Doninha, ou que tinham interesses políticos sobre os devotos.
O arraial pacato foi acusado de desordem e uma ordem foi expedida para que se procedessem uma invasão no local. Nessa ocasião o arraial foi invadido tendo Doninha foi presa, condição esta que permaneceu por 84 dias, após ser solto por solicitação de um Hábeis Corpus feito pelo seu marido José Odário.
Nesse momento que antecedeu as eleições à Assembléia Constituinte, foi grande a tensão na região poconeana e demais redutos partidários dos ideais constitucionalistas. Em Poconé foi destacado como juiz eleitoral, o então juiz da comarca, Luís Antônio Cavalcante de Albuquerque de Barros Barreto, o qual pertencia ao grupo de oposição e estava ligado à facção constitucionalista. De sua parte desempenhou para que a população poconeana e de Tanque Novo se alistasse como eleitor à Assembléia Constituinte, através de um panfleto por ele escrito e bastante divulgado na região.
Por ocasião do alistamento eleitoral, o papel de Barros Barreto foi fundamental para conseguir, junto ao reduto de Tanque Novo, as assinaturas que faltavam para a inscrição do Partido Constitucionalista. Das 20 assinaturas provenientes de Poconé, 11 eram da região de Tanque Novo. A adesão maciça dos seguidores de Doninha do Caité à causa constitucionalista, talvez esteja ligada à questão da salvação de Poconé, que segundo eles, somente poderia acontecer, após a volta da facção anterior ao poder, que tanto havia ajudado o Tanque Novo.
O grupo da Aliança Liberal necessitava exterminar, de uma vez com tudo o reduto constitucionalista, pois as eleições foram anuladas, uma vez que o Partido Constitucionalista interpôs o pedido de anulação, com base no número de votos nulos e em brancos, os quais, seriam suficientes para eleger um candidato.
O reduto atacado em represália a este gesto, foi Tanque Novo, para que o extermínio se concretizasse, necessitavam os oposicionistas de um pretexto, sobre o qual não poderia incidir qualquer suspeita, o pretexto encontrado foi o de que em Tanque Novo estava ocorrendo fatos escandalosos e extrema violência, como o de que os moradores de lá haviam atentado contrata a fazenda Ichú, tendo na ocasião espancado o proprietário e seu filho.
Espalhado esse boato, montou-se um forte aparato policial com a finalidade de prender os seguidores de Doninha, segundo o depoimento de pessoas que viveram na época, o pessoal de Tanque Novo nunca envolvera em briga com o pessoal de fazenda Ichú e que o incidente havido naquela fazenda uma mulher de nome Paulina e seus seguidores, os quais descontentes com o proprietário da dita fazenda, agrediram juntamente com o seu filho.
Apesar de não se Ter provas do boato contra Doninha, o pretexto bastou para o ataque a Tanque Novo, o qual ocorreu em julho de 1933, a força policial saiu de Cuiabá no dia 06 de julho, composta de cinco policiais e um cabo de esquadra, que chegando a Poconé na madrugada do dia 07, seguiram para Tanque Novo, apesar do ataque ter sido efetivado de surpresa, os habitantes do arraial receberam a bala os invasores. Nesse conflito, foi morto sobrinho do prefeito e saíram feridos o Prefeito, um tenente e o motorista do veículo que os conduziu a Tanque Novo.
Uma vez atacados, os habitantes de Tanque Novo, liderados por Munhequé, que na ocasião havia se infiltrado no arraial, invadiram Poconé, tendo depois se embrenhado no pantanal. Segui-se uma caça ao mesmo, com várias prisões. Doninha, marido e filhos conseguiram escapar a prisão, o que só veio ocorrer três meses depois, a caça a moradores de Tanque Novo durou cerca de vinte dias, tendo sido deslocados para Poconé, a mando da interventora, todo o contigente policial militar e um batalhão patriótico, ficou dado, ainda um alerta à Circunscrição Militar de Campo Grande e ao pelotão da Cavalaria de Cáceres, que chegou a se deslocar-se para Poconé.
O julgamento de Doninha foi objeto de polêmica, pois seu advogado, considerava que o crime era de natureza política, devendo por isso ser julgado pela Justiça Federal. O juiz estadual, no entanto classificou a ocorrência como crime comum, devendo o processo ser julgado em Cuiabá.
Doninha aguardou o resultado do julgamento presa, o que ocorreu em agosto de 1934, tendo sido libertado todos os outros indiciados. Ao final, ela foi considerada inocente, porem isso só veio acontecer, depois que as novas eleições foram realizadas e a vitória do Partido da Aliança Liberal ficou garantida, inclusive no município de Poconé.
Quando o inventário do pai de Doninha foi aberto, coube a ela como herança, uma parte de Tanque Novo, lugar afastado o qual batizou de Caeté. Ali Doninha continuo recebendo pessoas que a procuravam, porém, sentia-se ameaçada e discriminada. Assim ela e a família mudaram-se para Cáceres, local em que permaneceu por pouco tempo, tendo retornado para Caeté onde fixou residência, onde continuou suas atividade até a sua morte natural ocorrida em 1974.

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