sábado, 2 de maio de 2009

HISTÓRIA NA IMPRENSA: Especial: Ana Maria do Couto revolucionou a história da mulher em MT

'May', como era conhecida, foi a primeira mulher a ocupar a presidência da Câmara de Cuiabá.

Aldair Santos, da redação TVCA
Uma mulher marcante, de pele morena, olhos castanhos, cabelo preto e bem tratado, capaz de silenciar a conversa mais animada apenas com sua presença. Esta era Ana Maria do Couto May, de beleza e medidas impressionantes, bem distribuidas em 1,67 de altura. O corpo escultural estava sempre acompanhado de um sorriso bem aberto e verdadeiro. A inteligência, a espontaneidade a comunicação fácil e a determinação desta 'Maria' são características que marcaram para sempre a memória de quem a conheceu. Quase 40 anos depois de uma morte prematura, todos aqueles que tiveram o privilégio de ver Maria do Couto, não esquecem um só detalhe. "Ao lado de Ana Pinheiro e Maria Nazareth, Maria do Couto sacudiu Cuiabá", confessou o radialista Eugênio de Carvalho.
Esta é a terceira matéria da série 'Marias de MT', produzida pelo site da TV Centro América em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado no sábado, dia 8 de março. As duas reportagens anteriores contaram um pouco da história de outras duas mulheres que tiveram papel importante na cultura e história do Estado: Maria Benedita Deschamps Rodrigues, a Dunga Rodrigues, e Maria de Arruda Müller. Clique nas imagens acima para conferir as matérias anteriores.

Ana Maria do Couto 'May'
A crítica masculina chegava a compará-la a uma estrela do cinema. Ela sempre foi muito elegante. Vestia as roupas mais modernas e ousadas da época, substituia as blusas comuns por camisas femininas bem cortadas e usava bons perfumes. O comportamento mostrava uma mulher com visão de futuro, de outros tempos que viriam para confirmar a liberdade feminina e as conquistas sociais das mulheres.
Ana Maria do Couto era cohecida como "May", uma forma carinhosa de pronunciar Maria. Ela foi a primeira em várias conquistas para as mulheres, como por exemplo, a primeira a ocupar a presidência da Câmara de Cuiabá e pioneira na presidência de um time de futebol. Mas as marcas registradas foram a ousadia, determinação e visão de mundo. Para o jornalista Paulo Zaviaski, que foi aluno e amigo pessoal de May, ela é um mito da história mato-grossense.
Em meados dos anos 40, quando as mulheres sequer ousavam mostrar os joelhos, Ana Maria do Couto comandava as aulas usando uma bermuda bem curta. Um escândalo para aqueles tempos, mas ela conseguia se impor de tal maneira que ninguém ousava tecer qualquer comentário. Sua firmeza e imponência eliminavam qualquer reação, tanto dos estudantes quanto dos superiores. "Ela era única e conquistou isso com inteligência e firmeza de conduta", disse Zaviaski. Ana Maria do Couto era adiantada para a época.
A revolução cuiabana que surgiu na escola
Ana Maria do Couto era considerada uma mulher moderna e avançada já nos anos 40, quando começou a viver os anos mais intensos de sua vida, desenvolvendo diversas atividades. Ela nasceu no dia 13 de setembro de 1925. A determinação e a coragem de uma mulher à frente do seu tempo permitiu que ela abrisse caminho e conquistasse espaços importantes para as mulheres na sociedade. Destaque para as áreas de política, finanças, comunicação, direito e, principalmente, esporte, uma das suas grandes paixões.
Incentivadas por Ana Maria do Couto, as adolescentes cuiabanas já jogavam futebol na década de 40. Os jogos eram realizados no campinho do Colégio Estadual de Mato Grosso, que hoje se chama Escola Estadual Liceu Cuiabano - Maria de Arruda Müller. O gramado ainda hoje cobre o espaço que fica nos fundos do colégio. Foi durante as aulas de educação física da professora Maria do Couto que alunas como Eda Baracat da Silva e Sarita Baracat de Arruda, além de outras amigas de escola da época, aprenderam a jogar e gostar de futebol. As aulas para as meninas e os meninos eram separadas, mas a agitação era total nas atividades femininas. Futebol e atletismo eram modalidades sempre presentes durante as práticas esportivas comandadas pela professora.
O gosto pelo esporte foi determinante na escolha da primeira faculdade. Em 1944 ela se formou em Educação Física, na cidade do Rio de Janeiro. A partir de 1945 assumiu a vaga de professora da disciplina no Colégio Estadual de Mato Grosso. Entre 1946 e 1948, vários estudantes caminhavam de Várzea Grande a Cuiabá para estudar no colégio onde ela dava aulas. A dedicação da professora despertou a preferência dos estudantes. As aulas de educação física eram diferentes e especiais no Colégio Estadual de Mato Grosso (Liceu Cuiabano).
"Ana Maria era comunicativa, carinhosa. Era uma professora maravilhosa. Eu aprendi muito com ela. Me lembro da voz rouca e firme durante as aulas. Jogávamos até futebol! Nós tinhamos duas aulas com ela por semana", contou Sarita Baracat ao site da TV Centro América. A aluna foi influenciada pela professora. Após o ensino médio, a estudante também se tornou professora, formou-se em advocacia, entrou na carreira política se tornando vereadora e prefeita de Várzea Grande, e nunca mais abandonou o futebol. Sarita Baracat foi secretária da equipe do Operário por mais de 15 anos. Ainda hoje, 60 anos depois das aulas da professora que marcou sua adolescência, Sarita tem participação em eventos sociais e movimentos políticos do município. Uma lição que foi seguida à risca por Ana Maria do Couto, um exemplo de vida para mostrar a sociedade qual é o lugar das mulheres: o mesmo ocupado pelos homens. Suas conquistas mostravam que as mulheres ganhariam espaço e reconhecimento nas próximas décadas. Era um presságio das transformações que a sociedade vivenciaria a partir dos anos 70.
Educação para uma vida intensa
Ana Maria do Couto May tinha convicção de que a educação era uma das formas para tornar a sociedade mais justa e democrática. Após se tornar professora de Educação Física buscou formações em outras áreas. Se dedicou também à História e adquiriu profundo conhecimento nesse campo. Em 1951 diplomou-se no curso de Extensão Universitária em História, no Rio de Janeiro. No mesmo ano, ela conquistou mais um diploma, desta vez em contabilidade depois de formar na Escola Técnica de Comércio de Cuiabá.
A partir de 1952, May também se dedicou à comunicação. Foi a primeira locutora noticiarista de Mato Grosso. Na Rádio Voz D'Oeste, ao lado de Augusto Mário Vieira, comandava o programa "Bandeirantes no Ar". Além de apresentar o programa ela também era responsável pelos comentários políticos. O programa marcou época no rádio. Este envolvimento aguçou o gosto pela política. Ana Maria do Couto sempre participou ativamente das reuniões políticas, de clubes de serviço e da produção de todos os grandes eventos realizados na capital. A popularidade dela a levou à Câmara Municipal da capital em 1965. Além de vereadora pelo PTB, May também foi presidente da Câmara, a primeira mulher a ocupar o cargo no estado.
Neste período ela também já havia concluído o curso de Direito. May foi uma das primeiras alunas do curso de Direito de Cuiabá. A formatura ocorreu em 1963. Com a formação nessa área ela se inscreveu e foi aprovada no concurso para a Promotoria da Auditoria da Polícia Militar de Mato Grosso. A entidade, até então exclusivamente masculina, passou a contar também com uma mulher. A partir de 1966, Ana Maria do Couto foi nomeada promotora de Justiça Militar de Mato Grosso. Neste período também exerceu o cargo de assistente da Legião Brasileira de Assistência.
A partir de 1969 ela se licenciou de cargos públicos. Surgiram os primeiros sinais da doença, o câncer. Mas a lembrança dos tempos do rádio trouxeram novo ânimo quando Ana Maria viu a chegada da televisão em Cuiabá. O ano de 1969 foi marcado pela inauguração da TV Centro América na capital. Vários profissionais da comunicação descobriram a magia da TV, inclusive "May", que se tornou colaboradora do programa Galeria de Vultos Ilustres. O registro de jornalista autônomo foi efetivado em 1970.
A primeira mulher a presidir um time de futebol
Ana Maria foi sempre surpreendente. Não se importava para o que todos achavam desta ou daquela atitude, mas com a importância e o espaço que a mulher poderia conquistar na sociedade. O comportamento irreverente permitiu diversas conquistas, até então impossíveis para as mulheres. O esporte a colocou na presidência do clube de futebol Dom Bosco. De acordo com jornalistas, a primeira mulher a ocupar o cargo no Brasil. Com uma mulher no comando, o Dom Bosco se transformou em um dos maiores times do estado. Fora do campo a personalidade dela era notada na administração do clube. Durante o período que esteve na presidência, entre 1969 e 1971, as principais festas de Cuiabá foram ralizadas no clube Dom Bosco. "Eram eventos concorridos, freqüentados pela elite da capital. Ela estava à frente de tudo, na organização, na recepção. Gostava de acompanhar todos os detalhes pessoalmente", contou Paulo Zaviaski. May construiu sua casa bem próximo do clube do coração.
Antes de chegar à presidência ela passou por várias diretorias do clube. O conhecimento para organizar as festas não era apenas teórico, mas sim uma questão de prática. Os 46 anos de vida de 'May' foram bem vividos. Assim como a vida, os momentos de lazer também eram intensos. Contrariando o machismo da época, aquela mulher bonita poderia ser vista nos bares mais badalados da capital. Para ela tomar uma cerveja bem gelada de vez em quando não era nenhum pecado. E para animar a roda de amigos um bom jogo de cartas.
O privilégio de namorar com Ana Maria do Couto foi para poucos rapazes. Os homens não estavam ainda adaptados a uma mulher tão forte, capaz de resolver sozinha todo e qualquer problema. Uma mulher de tanta personalidade com uma vida tão agitada assustava. May não se casou e também não teve filhos. Mas ela sempre teve todo o apoio da família, por sinal muito unida. Em grande parte, formados em direito, a família tem tradição na área de segurança. Além de Ana Maria do Couto, grande parte da família tem atuação destacada na segurança pública.
"A liberdade feminina de hoje não pode ser comparada ao momento vivido por May. Ela era inteligente, ousada, firme, determinada, e ao mesmo tempo meiga, sutil, elegante, líder, qualidades raras de serem encontradas em uma única mulher", explicou Zaviaski.

Cuiabá das festas ao luto
Uma das últimas festas que May organizou e participou foi a comemoração dos 250 anos de Cuiabá, em 1969. O aniversário da capital foi comemorado com um bolo gigante. Apesar de ter nascido em uma família de classe média ela sempre foi muito popular e sempre teve bom realacionamento com as famílias pobres. No dia 8 de abril de 1969 as principais ruas da capital foram tomadas pela multidão a festejar o aniversário de Cuiabá.
Bastante doente, no final de 1970, a vida de Ana Maria do Couto teve um contraste. A mulher sorridente sempre muito determinada se abateu com a dor do câncer. O prazer de viver foi sufocado pelo sofrimento. Ela preferiu o silêncio e o aconchego de casa. Os últimos meses de vida podem ser considerados como um momento de clausura. No dia 17 de outubro de 1971 o corpo não agüentou e Maria do Couto morreu, vítima de câncer.
A capital parou para acompanhar o velório. Amigos, familiares, ex-alunos, colegas de trabalho, todos acompaharam com tristeza o fim de uma vida tão intensa aos 46 anos de idade.
O reconhecimento a mais uma Maria inesquecível na história de Mato Grosso pode ser notado nas homenagens expostas em prédios publicos, praças e escolas em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em Cuiabá, por exemplo, a segurança pública deu o nome dela ao presídio feminino. A cidade de Barra do Bugres a homenageou dando o nome de May ao prédio da Promotoria de Justiça e, em Campo Grande (MS), um conjunto habitacional rende homenagens a Ana Maria do Couto.

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