quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sobre a História do Nome e eo Surgimento de Mato Grosso Parte 2



Seguindo as informações dos topônimos vamos aos significados, Houais nos dá algumas pistas seguras:
Mato: vegetação constituída de plantas não cultivadas de porte médio, e geralmente sem qualquer serventia.
Grosso: de maior diâmetro, em comparação com congêneres; volumoso; corpulento.
Esta distinção de princípio paisagístico me parece fundamental, pois a idéia geral do que se compreende como mato num padrão comum de uso linguístico e observação do ambiente natural da Vila de Cuiabá era o Cerrado, que no mesmo dicionário significa: mata xerófita dos planaltos, de formação arbórea aberta, com vegetação herbácea abundante e cujas árvores são geralmente pequenas e tortuosas e de casca grossa e suberosa;
O topônimo Mato Grosso (floresta amazônica) surge, portanto em oposição ao Mato Cerrado - árvores pequenas e tortuosas. Com a mudança da capital para Cuiabá, o nome do estado ficou aparentemente contraditório, Mato Grosso - Cerrado.
Este acontecimento nos sugere, que se a primeira capital fosse Cuiabá certamente a capitania levaria outro nome.
Esta escolha do primeiro nome da capitania está intrinsecamente interligado a fundação de Vila Bela de Santíssima Trindade naquela localidade, motivada por razões estratégicas geoeconômicas portuguesas.
Mas, como na História não existe “se”, o fato é que o uso da expressão Mato Grosso nasce entre outros motivos para garantir e legitimar as expansões territoriais e conquistas lusitanas na fronteira oeste da colônia portuguesa na América.
Habilidades e estratégias discursivas/cartográficas utilizadas nos batismos dos lugares desde os princípios da colonização portuguesa. Batizar com topônimos lingüísticos lusitanos era o primeiro passo para o apelo do uti possidetis – o direito de posse a quem ocupou por primeiro. Limites que se consolidaram nos tratado de Santo Idelfonso (1777).
No tocante a idéia de sertão (Mato Grosso do Sertão Pareci), no referido dicionário apresenta a seguinte definição: região agreste, afastada dos núcleos urbanos e das terras cultivadas; para além das definições semióticas possíveis, uma me parece emblemática, a imagem de Deserto – Desertão- Sertão, para o ocidente judaico-cristão e suas representações podem significar peregrinação e penitência.
No tocante a associação do nome Mato Grosso ao etnônimo Pareci, indica uma territorialidade indígena estabelecida em uma paisagem estabelecida. Esta identificação étnica seguida da palavra Reino (Mato Grosso do Reino dos Pareci) - indica antes de qualquer coisa, uma organização hierárquica político social e uma quantidade significativa de índios escravizáveis.
A indicação da presença dos Pareci aponta para uma rota de captura de índios, que na prática desembocou no achado de faíscas de ouro às margens dos rios Sararé e Galera, sendo São Francisco Xavier (1734), Ouro Fino (entre 1734-1740), Nossa Senhora de Santana do Pilar (entre 1734-1740), pequenos povoados mineradores do Mato Grosso, ainda pouco conhecidos documental, arqueológico e historiograficamente.
Sabendo das façanhas expansionistas de seus súditos no ultramar, que alargara as terras da conquista e as mechas de ouro encontradas naquelas paragens, El Rey no dia 09 de maio de 1748, através de alvará régio determina a criação de uma capitania, sendo efetivamente instalado em 1751, com a posse do primeiro capitão general Dom Antônio Rolim de Moura Tavares (depois vice-rei do Brasil Conde de Azambuja) desmembrando estas conquistas dos domínios e jurisdição de São Paulo.
Ao que tudo indica, a julgar pela produção intensa de ouro e outros negócios de Cuiabá, as pretensões e ambições mercantis por parte da coroa, eram bem maiores do que comumente se imagina sobre estas terras.
Em 1749, as orientações régias justificaram os motivos das emancipações, dividir para administrar e explorar. D. Mariana, Rainha de Portugal, há milhas distantes destes sertões determina: Considerando a demasiada extensão da capitania geral que se chama de São Paulo, e a dificuldade que se experimentava para que um governador acudisse a tempo, com as providências necessárias a países tão dilatados, tive por conveniente dividir a dita capitania geral em três partes (...).
Nota-se nos trechos uma explícita intenção geopolítica: (...) das quais as mais próximas do mar e daí até o Rio Grande ou Paraná formasse um governo subalterno ao do Rio de Janeiro, como são os mais daquela costa; e deste, o dito, Paraná até o rio Guaporé que deságua no Amazonas, fui servido criar uma capitania geral com o nome de Mato Grosso; e das terras que medeiam entre este governo e o das Minas Gerais, outra capitania geral chamada de Goiás (...).
Contudo, o mal estar da escolha e construção da capital Vila Bela da Santíssima Trindade e não Cuiabá, pólo mais desenvolvido da colonização renderia mais tarde muitas dores de cabeça à administração portuguesa, perdurando-se até a transferência da capital para Cuiabá, na primeira metade do século XIX.
Contudo, esta capitania de Mato Grosso articulava dois estados da colônia por sua posição geográfica: o estado do Pará e do Brasil - partes integradas dos domínios lusos na América. Um elo pelo eixo monçoeiro sul - na carreira comercial do Tietê-Guaporé e outra na direção Guaporé-Madeira-Amazonas, rota norte.
Esta recém criada capitania englobava territorialmente os atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, seu território correspondia a 2/3 de toda a fronteira ocidental da colônia, fazendo divisa abaixo de contendas e tratados com os vizinhos ibéricos espanhóis.
Ao final do período colonial, o solo português se triplicou e esta capitania fronteira de Mato Grosso serviria como antemural do interior da América lusitana.
Nesta espacialidade formou-se um mosaico social: Negros Benguelas e Nagôs e outras etnias; escravos, forros e de ganho; índios das mais diversas sociedades (cativos, administrados, livres e guerreiros) e brancos (colonos e homens bons) compuseram este mosaico de agentes sociais, numa sociedade fronteiriça excludente, escravista e colonial – Mato Grosso.
No começo do séc. XIX a capitania de Mato Grosso totalizava 26.836 habitantes, entre brancos negros e índios, adentrou o século XX com 589 mil habitantes e atualmente entrou no séc. XXI com 2 milhões e 498 mil habitantes.
Reconhecer a historicidade do nome neste acaso comemorativo dos 261 anos de Mato Grosso é, sobretudo, um grande pretexto histórico para refletirmos sobre o processo de ocupação do estado e seus modelos de desenvolvimento.
Desde seu surgimento até os dias atuais a nossa história tem sido a da colonização, movendo sonhos de eldorado e riquezas fáceis, atraindo levas de aventureiros, investidores e migrantes.
Talvez neste aniversário seja uma oportunidade de fazermos um balanço, destes quase três séculos, entre perdas e danos, com todos os mato-grossenses, os que aqui nasceram e os que para cá vieram, a luz da razão, sem ufanismos, xenofobismos, etnocentrismos ou civismos inconseqüentes.

Suelme Evangelista Fernandes
Mestre em História de Mato Grosso

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