quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sobre a História do Nome e o Surgimento de Mato Grosso
Prática comum nas espacializações portuguesas projetar - expandir em busca de novos achados auríferos e da cobiçada mão de obra indígena, principalmente a dos Pareci. Buscavam-se novos vetores e eixos de colonização, laçeando as conquistas lusas sob solo hispânico forjando o espaço de Mato Grosso, que pelo Tratado de Tordesilhas (1494), estava imaginariamente sob os domínios de castelhanos.
Espacialização e reespacialização em áreas indígenas milenares, ainda inquantificável, que nas palavras do cronista setecentista Antônio Pires de Campos quem em 1716/1718, após contar aproximadamente 80 grupos indígenas desabafa diante do número infindável: seria processo infinito se quisesse narrar as várias nações (...) e menos numerá-las, por se perder o algarismo.
Após o acúmulo de mais de dez anos enraizados na Vila Real de Cuiabá – unidade política-administrativa do ultramar português, inventada em 1721 por Miguel Sutil, o movimento e a vibração do mercantilismo segue o fluxo no quadrinômio: invasão-conquista- colonização- expansão, chegando em 1734, nas franjas do chapadão onde se constituía o vasto Reino dos Pareci, segundo documentos iconográficos.
Os assim chamados negros da terra – índios escravizados por bandeiras de preamento tinham um valor significativo, no rico e nefasto comércio de mão de obra indígena na sociedade escravista portuguesa.
Os Pareci desde antes, nos tempos iniciais do Arraial de Cuiabá já eram capturados nestes sertões, havendo inclusive referências à sua docilidade e civilidade: nas palavras dos cronistas. Foram enviados às dezenas para trabalharem em outras vilas coloniais.
Esta etnia entre outras tantas, foi motivação de muitas bandeiras de preamento e correrias nos sertões do termo da Vila de Cuiabá na direção oeste, financiadas por capital privado dos homens bons da Vila de Cuiabá.
Existiam pelo menos três motivos destas expedições: o preamento e comercialização dos índios, a procura de novas datas minerais e o combate a Guerra Justa, – direito de extermínio das sociedades indígenas consideradas bárbaras, como os temidos Paiaguá, índios tidos como bárbaros, pela defesa dos seus territórios. Índios bravios imortalizados na letra do Hino e no nome do Palácio do Governo.
Segundo relatos de Francisco Caetano Borges nos Anais de Vila Bela de 1754, sobre a expansão da conquista oeste da Vila de Cuiabá, os primeiros achados de ouro desta região indicam o nome de dois desbravadores bandeirantes, ofuscando os demais homens envolvidos na bandeira (certamente negros, índios e colonos pobres), paulistanos de Sorocaba, como Miguel Sutil: Saiu da Vila do Cuiabá Fernando Paes de Barros com seu irmão Artur Paes, naturais de Sorocaba, e sendo o gentio Pareci o mais procurado e já quase extinto, e depois de conquistarem alguns nas suas vastas campanhas, cursaram mais ao poente delas com o mesmo intento, e arranchando-se no ribeirão que deságua no rio Galera, o qual corre ao nascente a buscar o rio Guaporé, e aqueles nascem das fraldas da serras hoje chamadas de São Francisco Xavier de Mato Grosso da parte oriental, fazendo experiência de ouro, tiraram nele três quartos de uma oitava (aproximadamente 2 quilos e meio) na era de 1734.
O nome do primeiro povoado minerador São Francisco Xavier deve-se ao financiador da expedição, o comerciante Luiz Rodrigues Villar, que ao receber a notícia dos novos achados, estava lendo a vida do grande apóstolo da índia São Francisco Xavier e em seu louvor mandou que se batizasse o local, orientando em seguida a construção de uma capela com o nome do referido santo.
Ao contrário do que se imagina este pequeno arraial antecipou o surgimento de Vila Bela da Santíssima Trindade em 18 anos, sendo o primeiro povoado estabelecido na região do Guaporé, depois, Mato Grosso.
Destaco aqui que até sua elevação e status de capitania em 1748, estas posses eram objetos de litígio entre as coroas ibéricas e estavam sob a jurisdição da capitania de São Paulo.


Seguindo as notícias, feitos mágicos e heróicas de sertanistas tarimbados da própria Vila de Cuiabá, e as coordenadas geográficas riscadas no chão com a mão ou com um galho seco, nos caminhos e trilhas homens reinóis negros e índios trilheiros expandiram fronteiras e amansaram sertões na parte mais central do continente sul americano. História da colonização ainda pouco conhecida, espacialidades urbanas palmilhadas a mais de 500 quilômetros da Vila de Cuiabá.
Desde os primórdios da colonização pairava no imaginário social dos paulistanos os sonhos de enriquecimento no eldorado, lugar mítico com metais em abundância, a lendária serra dos Martírios onde jorrava ouro ou da onírica serra de Prata no Reino encantado de Paytiti alimentava e impulsionava desejos de enriquecimento.
Estas expedições eram formadas por protagonistas anônimos, silenciados pela historiografia oficial: índios cativos, caburés e negros, além dos decantados e cultuados bandeirantes, brasílicos (piratinguenses), homens que garatujavam letras e dominavam diversas línguas indígenas.
Surgia contudo, como produto destas ambições mercantis um novo topônimo na cartografia portuguesa: Mato Grosso nome que surgiu, 14 anos antes da invenção da própria capitania (1736-1748), as referências de ordem escriturárias e de mapas indicam variadas referências a estas espacializações, destacando elementos das paisagens, hoje conhecidas como ecossistemas e em alguns casos acompanhadas do etnônimo Pareci, conforme apontou o historiador Carlos Rosa todos estes nomes demarcavam esta nova territorialidade alcançada: o Mato Grosso, o Mato Grosso dos Pareci, o Mato Grosso do Sertão dos Pareci, Sertão de Mato Grosso no Reino dos Pareci.
Tais descobertas do vale do Guaporé e suas repercussões na metrópole lusitana, entre outros motivos, seguramente motivaram a constituição da capitania de Mato Grosso em 1748.
Para o cronista José Gonçalves da Fonseca os primeiros registros manuscritos que apresentam a expressão Mato Grosso, que mais tarde por uso coloquial, domínio escriturário e ícono-cartográfico veio a nomear a capitania seriam atribuídos aos achados auríferos de São Francisco: (...) saindo uma tropa de gente da Vila do Cuiabá a explorar as campanhas dos gentios chamados Pareci (...), que habitava nas dilatadas planícies ao norte da grande chapada, e achando a referida tropa todo aquele continente destruído de tudo que pudesse fazer interferisse as suas diligências, se determinaram a atravessar a cordilheira das gerais de oriente para poente; e como estas montanhas são escalvadas, logo que baixaram à planície da parte oposta aos campos dos Pareci (que só tem algumas ilhas de arbustos agrestes), toparam com matos virgens de arvoredo muito elevado e corpulento, que entrando a penetrá-lo o foram apelidando Mato Grosso; e este é o nome que ainda hoje conserva todo aquele distrito.


Suelme Evangelista Fernandes
Mestre em História de Mato Grosso

Nenhum comentário:

Postar um comentário