O Caminho pelas águas até Cuiabá
As monções do Sul
Quando os bandeirantes paulistas atingiram o rio Coxipó, implementando guerra aos índios Coxiponés, chegaram a pé ou através de pequenas embarcações, utilizando-se da imensa rede hidroviária que drena o centro do continente. No momento em que a mineração floresceu, às margens do rio Cuiabá, nasceu ali um arraial onde foram construídas casas, igrejas, estabelecido pequeno comércio, tornando-se necessário regularizar o abastecimento, pois seus habitantes estavam ocupados somente com a mineração. Os produtos agrícolas de primeira necessidade, tais como arroz, feijão, mandioca, farinha de mandioca, milho, açúcar e cachaça eram fornecidos por duas localidades próximas a Cuiabá: Rio Abaixo (Santo António de Leverger) e Serra Acima (Chapada dos Guimarães). Tudo o mais de que necessitavam chegava através do comércio de maior porte existente na Capitania de São Paulo, da qual as minas do Centro-Oeste faziam parte. De lá, chegavam a Cuiabá: roupas, bebidas, medicamentos, ferramentas de trabalho, alimentos variados, dentre os quais destacava-se o sal, produto indispensável ao bem-estar da população do arraial. A esse sistema abastecedor e de transporte de pessoas, implementado exclusivamente através dos rios, deu-se o nome de monções.
O abastecimento hidroviário era feito duas vezes ao ano e a viagem demorava, aproximadamente, de 4 a 6 meses, dependendo do volume de água dos rios. Nela, os pilotos e a tripulação eram obrigados a ultrapassar cachoeiras e atravessar, por terra, grandes trechos entre rios denominados varadouros. Nessa ocasião, as canoas e a bagagem eram carregadas no ombro dos índios ou dos africanos. Além disso, as monções contavam com contratempos inesperados, como avaria das embarcações, temporais, falta de alimentos e, sobretudo, ataque dos índios que habitavam as regiões limítrofes ao trajeto.
Os paulistas adquiriram muita destreza em suas viagens pelos sertões graças à ajuda dos índios aliados que, com seus conhecimentos, foram os grandes mestres e guias dos sertanistas. Os índios auxiliaram:
- No fabrico das embarcações: Sabiam fazer excelentes embarcações, meio de transporte que utilizavam para locomoção, caça e pesca, assim como para guerrear. Os batelões e canoas eram embarcações feitas com um só tronco de árvore, resistentes e apropriadas à navegação fluvial, muito se distinguindo dos navios utilizados na navegação marítima, velhos conhecidos dos portugueses.
- Como guias nas viagens: Dominavam as melhores rotas a percorrer, o ritmo das águas, identificavam com facilidade onde existiam cachoeiras, as formas de sua transposição e varadouros. Eram exímios conhecedores das trilhas do sertão e dos atalhos que encurtavam caminhos. Além disso, os índios, tal qual cartógrafos, sabiam traçar, nas areias dos rios, mapas e desenhos que serviam de orientação para os viajantes.
- Na alimentação e na medicina: Conheciam e haviam experimentado em seu cotidiano, diversas raízes, plantas e suas propriedades alimentícias e medicinais. Sabiam, com perícia e destreza, a arte de caçar animais, limpá-los e preparar com eles uma refeição. O tempero utilizado nessa culinária sertaneja tinha por base os condimentos da flora. Identificavam, com muita facilidade, onde existiam colméias, que ofereciam mel, apreciado alimento energético indispensável às longas caminhadas.
- Como conhecedores de outras etnias: Sabiam identificar onde estavam estabelecidas as aldeias indígenas. Conheciam e, muitas vezes, entendiam suas línguas, hábitos e costumes, possuindo o dom especial de atrair ou rechaçar seus iguais, em caso de necessidade. Dominavam, sobretudo, a arte guerreira de muitas sociedades indígenas, distinguindo seus instrumentos e estratégias de guerra.
Assim, o índio representou, para o bandeirante, não somente mão-de-obra mas, sobretudo, serviu-lhe de guia e professor, pois conhecia, como ninguém, o tão temido e desconhecido sertão Oeste.
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. Históriade Mato Grosso: Da ancestralidade aos dias atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002
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