A Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá
O governador de São Paulo muda-se para Cuiabá
As minas de Cuiabá distanciavam-se da sede da Capitania, o Povoado, como era chamada a Vila de São Paulo de Piratininga. O acesso à legislação régia, a fiscalização na extração aurífera, a entrada de mercadorias e, sobretudo, a saída do ouro ficavam, praticamente, sob o controle dos próprios descobridores. Foi pensando em estendera administração portuguesa até as minas cuiabanas que o governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo Moreira César de Menezes, resolveu, em meados do ano de 1726, deixar o conforto da capital paulista e ir morar, por algum tempo, em Cuiabá. Desde antes, pressentia o governante que o controle político dessa região se encontrava em mãos de antigos sertanistas, enriquecidos com os lucros auríferos. Era o caso dos irmãos Leme, João e Lourenço, que, como opulentos comerciantes e mineradores, exerciam um extremo controle na região das minas de Cuiabá. Necessário se fazia acabar com o mando desses poderosos locais ou aliciá-los como representantes da Coroa portuguesa.
Os irmãos Leme
A estratégia montada por Rodrigo César foi, num primeiro momento, chamar para si um dos Leme, oferecendo-lhe o cargo de Provedor dos Quintos, o que foi recusado. Respondeu que, se o governador não desse a seu irmão o cargo de Mestre de Campo Regente, eles se recusariam a trabalhar para a Coroa, continuando a exercer seu poder independente dela. O governador paulista, fazendo valer sua autoridade, confirmou apenas o primeiro cargo, para o quê obteve todo o apoio da Câmara Municipal da Vila de São Paulo.
Inconformados, os Leme romperam com o governador e prepararam viagem de volta para as minas cuiabanas. Nesse momento, no entanto, Rodrigo César, decidindo acabar definitivamente com o poder dos Leme, armou uma emboscada para prendê-los. Contando com forças arregimentadas em Santos, o governador paulista mandou que fossem destruídas todas as embarcações que compunham a frota dos Leme, as quais estavam estacionadas à beira do rio Tietê. As canoas, com todas as mercadorias, foram desbaratadas e os irmãos e seus exércitos de índios e negros africanos foram cercados, encurralados e presos.
Para evidenciar a força da Coroa portuguesa, um dos irmãos Leme, depois de preso, foi remetido para a Bahia, então capital da Colônia, e ali decapitado; teve seu corpo esquartejado, salgado e exposto pelas ruas de São Salvador. O outro foi morto durante o cerco. Não satisfeito em punir os dois irmãos, o castigo recaiu, também, sobre a família Leme, que teve seus bens confiscados e os descendentes diretos considerados banidos das benesses e consideração da Coroa, por muitos anos.
Uma vez desimpedido o caminho, Rodrigo de Menezes decide embarcar, em monção, para Cuiabá, em expedição composta de 308 embarcações e uma tripulação de 3.000 pessoas. A viagem demorou, aproximadamente, 5 meses, desembarcando no porto de Cuiabá, em novembro de 1726. Em 15 de janeiro de 1727, elevou Cuiabá à categoria de vila, intitulando-a Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá.
Para aumentar a arrecadação
Com esse ato, Rodrigo César de Menezes deu início ao controle administrativo-fiscal dessa longínqua zona mineira. Uma de suas primeiras providências foi aumentar os impostos, medida que afugentou muitos moradores de Cuiabá. Mediante o arrocho fiscal, resolveram, alguns, ir para Goiás; outros, saíram em busca de novas minas, sendo que alguns poucos retornaram à Vila de São Paulo. Em sua permanência em Cuiabá, Rodrigo César tratou de garantir a reprodução do modelo colonial, com as seguintes medidas:
- Determinou que os impostos sobre o ouro não mais fossem cobrados por capitação, isto é, por cabeça, instituindo, em seu lugar, o quinto;
- Ordenou que todo o ouro retirado das minas de Cuiabá deveria ser quintado junto à Casa de Fundição de São Paulo, ocasião em que, de pó, seria transformado em barra, da qual se extrairia 20%, a ser enviado para Lisboa;
- Criou os postos de Provedor da Fazenda Real e Provedor dos Quintos, para cuidar das finanças;
- Criou o cargo de Ouvidor Geral das minas de Cuiabá, para cuidar da Justiça.
Depois de estender o poder metropolitano às minas sertanejas, Rodrigo Moreira César de Menezes deixou a Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá no primeiro semestre de 1728, rumo à Vila de São Paulo, utilizando-se do segundo roteiro monçoeiro. Estavam timbrados, em pleno sertão Oeste da Colônia, os símbolos administrativos e fiscais da Coroa portuguesa.
Você sabia?
Que, durante a administração de Dom Rodrigo César de Menezes, ficou famoso o episódio da substituição de todo o ouro de um caixote enviado à Lisboa, a título de arrecadação, por chumbo?
O povo cuiabano regozijou-se com a saída do Governador paulista, pois a presença da Coroa portuguesa no sertão minerador causou, além do aumento de impostos e maior fiscalização na sua cobrança, inúmeras disputas pelo poder, e, ainda, conflito com os padres. Relata-nos essa alegria o cronista:
“Com a sua saída tudo cessou, as excomunhões, execuções, lágrimas e gemidos, pragas, fomes, enredos e miscelânias. Apareceu logo o ouro, produziram os mantimentos, melhoraram os enfermos [...].”
Fonte: Sá (1975).
Antes, porém, de deixar a Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, Rodrigo César de Menezes tratou de regularizar a questão das terras, fazendo, assim, as primeiras doações de cartas de sesmaria, concedidas mediante solicitação daqueles que já habitavam as terras mato-grossenses, nelas criando gado ou desenvolvendo agricultura, e que desejavam titulá-las. Assim, foram primeiramente doadas terras que permeavam o perímetro urbano de Cuiabá, estendendo-se para as povoações e arraiais limítrofes, como Rio Abaixo e Serra Acima. Nesse último local, foi doada uma importante sesmaria requerida por António de Almeida Lara, o qual foi responsável pela montagem de um dos primeiros engenhos de cana-de-açúcar na região mineira. Essas cartas de sesmarias representaram a origem da legalização da propriedade das terras mato-grossenses.
Trâmite da concessão das sesmarias
- O colono solicitava, através de ofício, ao capitão-general, uma certa porção de terra, alegando os motivos pelos quais a desejava;
- O capitão-general concedia, em caráter provisório, as cartas de doação de "datas" de terra de sesmaria, enviando o pedido para o rei de Portugal;
- Ao rei, cabia expedir a carta definitiva da sesmaria, através de documento produzido pelo Conselho Ultramarino.
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso: Da ancestralidade aos dias atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002.
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