sábado, 11 de junho de 2011

Vila Bela tem histórico de violências

Rebeldia era punida com tortura

Documentos relatam escrituras de comercialização de negros e anúncios em que proprietários caçam fugitivos


Nascido na antiga localidade de Furrié, Antônio Corrêa diz que está apenas esperando a “oportunidade de Deus”
ORLANDO MORAIS
Da Reportagem

A escravidão africana no Brasil foi parte fundamental dos primórdios do capitalismo, cujo objetivo era produzir para um mercado emergente à custa de altos lucros. Nesse contexto, de acordo com a historiadora Lúcia Helena Gaeta Aleixo, “o escravo africano era tido como a mão-de-obra adequada para a produção em grande escala”, escreve ela em seu livro Mato Grosso: Trabalho Escravo e Trabalho Livre (1850-1888).

Na sociedade escravista, entretanto, os proprietários possuíam todas as garantias políticas, sociais e jurídicas, enquanto o escravo não possuía qualquer garantia, estando reduzido à condição de “coisa”. Assim, os negros africanos foram trazidos ao país por meio de uma violência sem paralelo na história da humanidade. Eram amontoados em navios para viagens de dois e três meses - que transformavam uma parcela da carga em cadáveres e mutilava definitivamente uma outra.

Estima-se que cerca de 50 milhões de negros foram trazidos ao Brasil durante os mais de 300 anos de escravidão, principalmente das possessões portuguesas de Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné Bissau. Os que sobreviviam à viagem eram adquiridos por fazendeiros que passavam a ter “posse real e efetiva do referido escravo para tê-lo e possui-lo desta data em diante como coisa sua que é e fica sendo de hoje para sempre”, conforme se lê na Escritura de Compra e Venda do escravo Honório Mulato, lavrada no Distrito de Livramento, em 1869. Segundo Helena Gaeta, o tratamento era o mesmo para mulheres e crianças.

Nas fazendas, “os feitores faziam os escravos trabalharam até o limite das suas forças e, para disciplinar as tentativas de rebeldia, faziam uso das mais violentas formas de tortura - que iam desde as chibatadas até as mais hediondas formas de mutilação como arrancar dentes, língua, olhos, dedos, orelhas e os seios no caso das mulheres”, diz o jornalista Rui da Costa Pimenta.

“Esse martírio inacreditável chegou ao extremo de dar lugar a uma forma de resistência passiva, conhecida como banzo, onde os negros morriam de uma inanição espiritual que era na realidade uma forma de suicídio por falta de vontade de viver”.

Os escravos que conseguiam fugir para os quilombos, segundo Helena Gaeta, eram caçados não só por seus patrões, mas pelo poder constituído da época, como a polícia e a imprensa. “Os jornais do período estão repletos de anúncios onde os proprietários oferecem, como prêmios, altas somas para a captura de um bom negro”, diz ela. “O mecanismo de repressão geralmente utilizado era o castigo corporal, no tronco”.

Em Mato Grosso, “as fronteiras das nações vizinhas representavam um grande incentivo para tais fugas”, escreve a historiadora. “Em diversas ocasiões, a Bolívia e o Paraguai serviram como reduto para as fugas de escravos”. Nos quilombos, tanto a segurança quanto a produção eram altamente controladas. “Mantendo lavouras de subsistência, os negros conseguiam desenvolver um circuito de trocas com as povoações próximas. Por várias vezes, expedições foram organizadas para destruir esses quilombos”.

Lê-se em um documento de 1857: “Tomou o nome de Piolho um grande quilombo de escravos fugidos... e que o Ilmo. Sr. Luiz Pinto de Souza Coutinho quando governou esta Capitania mandou destruir, apreendendo muitos escravos. (...) O resto daquele quilombo se tinha ali novamente estabelecido e com efeito acharam nele 54 pessoas que vieram para Vila Bela, isto é, negros...”

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