
segunda-feira, 29 de março de 2010
A nossa saga e a sagacidade de Lulu

sexta-feira, 19 de março de 2010
Amados, enganos e telefonemas

Há alguns anos uma moça vivia ligando lá pra casa à procura de um certo Ricardo. Não sei exatamente se era moça, no sentido absoluto do termo. Mas digamos que fosse, devido à tamanha carência afetiva que apresentava e, sobretudo, à inocência que demonstrava haver em seu peito. Costumava ligar à noite. Preferencialmente, durante as novelas. Era bastante metódica e não aceitava ouvir que não havia nenhum Ricardo em casa: “Uai. Foi ele mesmo que me passou esse número...” Insistia, tornava a ligar. E acabou me vencendo pelo cansaço. Vesti o personagem, um pouco por curiosidade. Queria entender a cabeça daquela moça que vivia correndo atrás do tal Ricardo, e por que motivo ele a havia abandonado, deixando apenas um numero de telefone que evidentemente não era o dele.
Chamava-se Ângela. Anjo no nome e muito provavelmente em sua castidade. Não se pode dizer o mesmo de suas feições, que de certo nunca foram angelicais – exceto no nascimento, imagino. A beleza nunca foi inoportuna. Ângela, por outro lado, chegava a ser inconveniente – ao menos no começo, quando eu ainda não a conhecia. A coitada era fanha. Além de fanha, meio curta de raciocínio. Talvez por isso eu a imaginasse bastante machucadinha (e com um buraco na cara, em vez do nariz). Todas as vezes que falava com ela, me lembrava do poema do Bandeira, o qual nos olhos de certas feias era capaz de enxergar uma menina que é batida e pisada e nunca sai da cozinha. (Sei que podem existir fanhas lindíssimas, mas nesse caso era preferível não arriscar.)
Sua fala era pura, inocente e nasalada. Havia também algum desespero grudado nela – a moça do saco furado que chora ao ver as laranjas se perdendo ladeira abaixo. Mostrava-se incrivelmente fragilizada. Confesso que no início cheguei a supor a possibilidade de trote. Mas não era. Tudo que ela precisava era de um bom papo. Gostava de conversar. Penso que após aquelas conversas ela ia dormir um pouco mais confortada. Funcionava como uma espécie de terapia, pois, pra ela, pouco importava se deste lado da linha estivesse eu ou meu irmão, dez anos mais velho, se passando pelo Ricardo. (Não disse que ela era meio lesada?) Evidente que nossas vozes não eram nem um pouco parecidas. Meu irmão tinha a voz grave, e era metido a cantor, enquanto eu, em torno dos quinze anos, desafinava até pra iscar cachorro.
Ângela tratava de assuntos triviais: uma pracinha no bairro onde morava, namoros ao luar e coisas do tipo. Era babá, se não me engano. Ou secretária. Nunca chegamos a marcar um encontro. Ao que tudo indica, não estava interessada. Ao menos, não demonstrava. Exceto na vez em que cogitou que fossemos juntos a um show do Amado Batista no Galpão – uma casa noturna bastante popular em Várzea Grande – o que, de certa forma, reforçou o estereótipo e a imagem evocada pelo poema de Bandeira. Imagino que ela tivesse um pôster do Madão na parede do quarto, acompanhava todos os lançamentos dos álbuns, tendo em vista que era extremamente fascinada pelo galã das empregadas domésticas.
Não sei dizer se ela continuou a ligar. Até porque, algum tempo depois, vendemos a casa. E, por um problema qualquer com a companhia telefônica, fomos obrigados a mudar o número. Nunca mais tivemos notícia nem de Ângela (Será que hoje ela mantém os seus diálogos via messenger?) nem de Ricardo. Que, sinceramente, depois de algumas conversas, ficou difícil até mesmo pra ela provar que tivesse existido.
Odair de Morais é escritor, acadêmico de Comunicação Social na UFMT, e colabora com o DC Ilustrado.
professor_odair@hotmail.com
terça-feira, 16 de março de 2010
segunda-feira, 15 de março de 2010
Abordagem acerca do caráter violento presente na sociedade mineradora do período colonial em Mato Grosso e Goiás, locais em que roubos, raptos e até mesmo assassinatos eram constantes. Além da sistemática atuação dos bandoleiros e salteadores, existia o perigo iminente do ataques de índios bravios e de escravos quilombolas
domingo, 14 de março de 2010
sábado, 13 de março de 2010
O malabares

Diante do farol, vejo que o malabarista fez da faixa de pedestre o seu picadeiro improvisado. (Certa vez um conhecido quis repetir um truque que vira num farol na cidade em que morava, e desastradamente acabou engolindo um bocado de álcool.) Atira pro alto suas coloridas clavas no intuito de que sejam vistas pelo maior número de condutores. Recém libertas do alçapão, elas giram suaves e obedientes aos lentos e repetitivos movimentos do andrajoso mago do farol. Na falta de um traje convencional, ele resolveu cobrir-se de trapos. É a beleza gratuita do sinal semafórico. E representa agora na capital do estado o declínio, a falência e a queda do circo. Me fez lembrar de uma matéria que li, tempos atrás, sobre os decrépitos leões abandonados nas estradas pelos impassíveis donos de circo.
Enquanto o malabares se apresenta, imagino ouvir os divertidos acordes de uma orquestra circense. Ele aparenta entusiasmo. Ainda que alguma coisa venha a dar errado, ele sabe como agir. Tem tudo sob o controle. Gargalhará como um legítimo palhaço, e recomeçará sem o menor constrangimento.
Sob a velha cartola, seus cabelos estão em completo desalinho e empapados de suor. Circo do céu ou do sol escaldante?, me pergunto. Atravessamos o deserto do Saara, em pleno carnaval. No cruzamento das avenidas Mato Grosso com a Tenente Coronel Duarte, com extrema agilidade e destreza, o maestro mal-ajambrado sincroniza os objetos que atira pro ar de instante a instante. Grudou um sorriso na cara, bem embaixo do nariz de palhaço. Exagerado como a própria maquiagem.
Misero mago malabarista mal-ajambrado, como pode saber o momento exato de interromper as acrobacias? Rufam-se os tambores! A qualquer momento, o sinal vai se abrir. Ele se apressa. Tenta, a qualquer preço, sensibilizar os motoristas. Caminha agora com humildade entre o desprezo de uns e a caridade de poucos. Todo encanto e magia desapareceram subitamente de seu magro semblante. Acaba de incorporar um pedinte humilhado. Não tivesse visto o seu desempenho, acreditaria que fosse um qualquer com a mão estendida rente ao vidro que o separa de seu respeitável público...
Desce uma escura lona sobre sua alma circense.
O sinal fica verde novamente.
O circo improvisado é desfeito às pressas. Seu rosto foi de lívido a trágico em menos sessenta segundos. Sua maquiagem, neste momento, lembra uma antiga máscara grega. Corre pra calçada. Tudo o que ele menos quer é ser atropelado. Se pudéssemos nos aproximar um pouco mais, num close poderíamos perceber todos os tiques que ele apresenta. Inclusive, acompanharíamos o rastro úmido que uma translúcida gota vai deixando para trás ao escorrer agora pela sua carranca ressecada. Junto à faixa de pedestres, diante do farol, ele se prepara.
Corta o fluxo de automóveis, feito um novo Moisés.
Odair de Morais é escritor, acadêmico de Comunicação Social na UFMT, e colabora com o DC Ilustrado.
professor_odair@hotmail.com
sábado, 6 de março de 2010
Almir Sater - Peão
Composição: Almir Sater e Renato Teixeira
Diga você me conhece
Eu já fui boiadeiro
Conheço essas trilhas
Quilômetro, milhas
Que vem e que vão
Pelo alto sertão
Que agora se chama
Não mais de sertão
Mas de terra vendida
Civilização
Ventos que arrombam janelas
E arrancam porteiras
Espora de prata riscando as fronteiras
Selei meu cavalo
Matula no fardo
Andando ligeiro
Um abraço apertado
E um suspiro dobrado
Não tem mais sertão
Os caminhos mudam com o tempo
Só o tempo muda um coração
Segue seu destino boiadeiro
Que a boiada foi no caminhão
A fogueira, a noite
Redes no galpão
O paiero, a moda,
O mate, a proza
A saga, a sina
O causo e onça
Tem mais não
Ô peão....
Tempos e vidas cumpridas
Pó, poeira, estrada
Estórias contidas
Nas encruzilhadas
Em noites perdidas
No meio do mundo
Mundão cabeludo
Onde tudo é floresta
E campina silvestre
Mundão "caba" não
Sabe que "prum" bom viajante
Nada é distante
"Prum" bom companheiro
Não conto dinheiro
Existe uma vida
Uma vida vividaSentida e sofrida
De vez por inteiro
E esse é o preço "preu" ser brasileiro