
domingo, 25 de abril de 2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010
sexta-feira, 16 de abril de 2010
“Sobre velhos hábitos e arrependimentos tardios” ou “O que o Bial disse na revista”

Viu o que o Bial disse na revista?, perguntei ao meu amigo que, até aquele momento, se mostrara incrivelmente apático em relação ao nosso diálogo. E ele: Em que revista?... O que ele disse? Na Playboy, respondi. Segundo Bial, todo homem, independente da idade, é adepto do sexo solitário. Que exagero, retrucou, irônico. Quer dizer então que o senhor anda a se divertir com revistas de mulher pelada? Foi o que me disseram, argumentei. Não vi a revista. Portanto, nem sei se é verdade. Enquanto enchia outra vez o meu copo, chamei o garçom. Falei com voz empostada: Fui o maior onanista de meu tempo... O meu amigo arregalou os olhos: Você? Que eu, rapaz?, expliquei: é um verso do Oswald.
Olha, Odair, chega de citações por hoje, tá legal? Vou contar o que aconteceu comigo, pra ilustrar o meu ponto de vista. Quando era criança, eu tinha uma professora particular que me auxiliava com os deveres em sua casa. Nossa, como eu aprontava! Ao menor descuido dela, eu simplesmente desaparecia. Ela saía então pela casa me procurando, abrindo e fechando portas, e me chamando pelo nome. Foi após um desses vacilos de minha professora, que encontrei, no quarto do irmão dela, uma coleção de revistas de mulher pelada escondidas sob o colchão. Foi o meu primeiro alumbramento!... Não tive dúvida: guardei imediatamente a revista na mochila. Levando em consideração a quantidade de revistas que possuía, capaz que o dono nem tenha dado pela falta – ainda que vez por outra eu tenha lhe dado outros desfalques. No fundo do quintal de casa, embaixo de um velho tambor enferrujado escondi minhas revistas, não sem antes tê-las protegido em sacolas plásticas. Havia quintais naquela época, além de muitos lugares onde eu podia me esconder, agora na companhia de minhas agradáveis mulheres de papel.
Ah infância, refúgio dos sonhadores entediados...
Para, Odair, gracejou o meu amigo, secando mais uma vez o seu copo.
Rimos. Eu: Prossiga.
Um dia, levado por intensa comoção, estive a elogiar os cabelos, os rígidos seios e as formas de minha amada. Inspirado nas cenas de novela (até então eu não havia assistido filmes pornográficos), deitei minha mulher no chão e me pus a dizer belíssimas (e ridículas) e enternecidas declarações de amor em seus ouvidos. Quando dei por mim, estava o seo Mineiro parado bem ao meu lado, quieto, me olhando. Está lembrado dele? Um velho aposentado do exército, cabeça inteiramente branca, que andava sempre de óculos escuros e, segundo dizem, não os tirava nem para dormir?, eu disse. Exatamente, ele confirmou. Não sei durante quanto tempo o velho esteve ali observando a patética cena protagonizada por um menino e sua musa... Também nem quis ficar para saber. Flagrado em semelhante delito, ergui meu short, apanhei o pôster que ficara sob mim todo amassado e fugi desembestadamente em direção ao lugar onde costumava me refugiar quando me encontrava em apuros. Ali, na beira do Rio Cuiabá, sentado sob o sarã, estive a meditar durante horas sobre a difícil situação em que me encontrava. Eram os duros anos da Ditadura, época de incríveis proibições e punições severas. Enfim, como eu precisava expiar a minha culpa, atirei sem mais demora as revistas n’água, que as levou e lavou-me a alma. Desde então, rapaz, que não faço mais isso. Me lembro sempre da figura enigmática do Mineiro ali ao lado me observando. Agora vem o Bial a público e diz este absurdo. Que todos os homens... Todos, menos eu! Mas, mudando de assunto, Odair. Você continua escrevendo pro jornal? Claro, respondi, ao mesmo tempo em que acenava com a cabeça afirmativamente. Olha lá, hein. Vê se não vai colocar o que eu acabo de falar pra você em uma de suas crônicas.
Pode ficar sossegado.
terça-feira, 13 de abril de 2010
sábado, 10 de abril de 2010


Caminheiro
Liu e Léo
Caminheiro que lá vai indo
Vai caminheiro
Por favor diga pra mãe
Vai caminheiro
Caminheiro diga pra mãe
Oi caminheiro
sexta-feira, 9 de abril de 2010
sábado, 3 de abril de 2010
Na casa de meu avô

Vovô montado em seu cavalo, no Pantanal.
Venho de um lugar longínquo, perdido nos confins do velho Mato Grosso. Meu avô atravessou cidades montado num cavalo baio, que, em vez de vir a galope, coitado, vinha nadando na superfície do território alagado. Naquela época, no período das cheias, os da lagoa costumavam dar bom-dia rente à porta de casa: os jacarés, por exemplo, tomavam sol no jirau, à moda calango. Estáticos. Enormes. Esperavam o peixe de papo pro ar. Havia peixe à ufa. Quando vinha pra capital, meu avô jamais estava só. Um filho o acompanhava pra não sofrer nenhum revertério no caminho. A viagem custava pra mais de três dias. O restante do pessoal chocava no sítio à espera.
O guaraná tomado pelo meu avô não era o mesmo que eu tomava em criança, embora ambos tomássemos o guaraná predileto. Meu avô fazia uso do guaraná comprado no Porto, em bastão, o qual, antes de ser diluído em água e servido com açúcar num copo americano, tinha que ser ralado na grosa. O meu Predileto, por outro lado, era conseguido com muito menos esforço, a poucos metros de casa, na venda do seo Darci. E, caso mãe permitisse, podia até ser tomado no canudinho, ali mesmo no bar, junto ao balcão, na ponta dos pés. Mas refrigério mesmo era ouvir, na casa de meu avô, a colherinha tilintando no fundo do pequeno copo de vidro!
Contemporâneas de expressões como matula, réiva, piraí e bambolê (o mesmo que marmita, raiva, chicote e chinelo, respectivamente), Alazão, Baio e Zaino estavam para os cavalos assim como Wolks, Peugeot e Fiat estão para os autos de hoje em dia, segundo o seu vocabulário. Faço caçoada falando assim? Tá por fora. Me sinto mais ligado às origens quando visito a casa de meu avô. Certa vez, com o intuito de me ensinar a pontear a viola, ele quis fazer de mim um cururueiro. Lutei pra aprender, mas acredito que acabei o decepcionando, pois fui incapaz de alcançar o som gotejante da viola de cocho. (Há alguns anos, eu estava casado e vivendo longe da família. Acordei em transe, no meio da noite. Guiado pela animação dos músicos, fui parar em frente de uma casa, na qual estava havendo uma festa de santo. Me sentei num velho banco de madeira. Tomado pelas recordações, cobri o rosto com as mãos chorando.)
Na década de 60, meu avô sofreu um acidente na ponte Júlio Muller, que liga as cidades de Cuiabá e Várzea Grande. Ele conduzia uma charrete. O cavalo se assustou ao ver uma tombeira (caçamba, como se diz atualmente) se aproximando. Chocaram-se, então, o antigo e o moderno de um estado ainda em vias de desenvolvimento. Tudo isso eu soube pela boca dos outros. Meu avô não curte que a gente trele no passado dele. Mas eu remexo, com um graveto, em suas memórias ancestrais. Evoco uma planície alagada, uma planta milagrosa, uma funda feita de tronco de goiabeira pra caçar passarinho... Retiro, quando muito, um fato corriqueiro metido, por acaso, junto de sua rapadura simples e ferramentas de trabalho em seu embornal. Aos noventa e três anos de idade, primo, o silêncio é que o faz eloquente.
Acho que meu avô sente saudades de si.
Odair de Morais é escritor e colabora com o DC Ilustrado
e-mail: professor_odair@hotmail.com