


Livro Fundação de Cuiabá, de Moacyr de Freitas
Era uma vez uma vila quase fantasma, mas estrategicamente localizada nas margens do Rio Cuiabá. Sua facilidade de acesso às águas garantia a comunicação com a região do Pantanal, zona
de criação de gado bovino. Fundada em 1719 pelos bandeirantes Pascoal Moreira Cabral e Miguel Sutil, nas beiras do Córrego da Prainha, seus descobridores se encantaram com o ouro. Conta a lenda popular que, diferentemente de Minas Gerais, as pepitas brotavam nas ruas e no quintal das casas. A então “Lavras do Sutil” atraía povoadores provenientes tanto da Europa como dos estabelecimentos agrícolas do litoral do país. Com o passar dos anos, sua riqueza se esgotou e o arraial que ia se formando começou a entrar em decadência a partir da segunda metade do século XVIII. Na antiga Cuiabá não se trancava a porta da casa e o comércio e órgãos públicos fechavam no horário entre 11h e 14h. Era hora do almoço e o calor escaldante dava aos cuiabanos um ritmo menos acelerado no momento que o sol é mais cruel. Dava tempo de almoçar com a família e dormir depois da refeição, como fazem os espanhóis em suas “siestas”. Hoje em dia, algumas portas de lojas ainda se fecham e as ruas de comércio ficam vazias nesse horário. Muitos ainda preservam o hábito de irem almoçar no aconchego do lar, mas existem, como opção, os três shoppings da cidade que são os locais de concentração de gente entre o finalzinho da manhã e o comecinho da tarde.
Centro de Cuiabá em meados do século XX
Rumo aos 300 anos Avenida do CPA (Historiador Rubens de Mendonça)
Hoje, rumo aos 300 anos, o fluxo intenso de carros segue na Avenida da Prainha, no sentido do Centro Político-Administrativo (CPA), e lá se encontra o que há de novo. É a verticalização dos imponentes prédios da Avenida Historiador Rubens de Mendonça (Avenida do CPA), lugar preferido para os migrantes sulistas adquirirem a residência própria. Apesar de a conjuntura internacional apontar a crise, o setor de construção civil está indo bem. Os apartamentos de dois ou três quartos, com espaçosas varandas e suas churrasqueiras, estão com grande procura entre as famílias de classe média, que através das facilidades do financiamento estão investindo entre R$ 80 mil e R$ 150 mil nesse tipo de imóvel. A busca por esses grandes prédios tem mudado a identidade da antiga Cuiabá. Os quintais das casas e as famílias numerosas faziam do espaço ao ar livre um local de encontro de amigos e parentes, onde se reuniam para o churrasco com mandioca e a cerveja bem gelada para driblar o calor que chega a ultrapassar os 45º graus.
“Cuiabá não é calorenta, é calorosa”, disse o diretor da Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Econômico e Turismo, Jaime Okamura, ao afirmar que a capital mato-grossense é conhecida em todo o Brasil pela temperatura máxima dos termômetros. Jaime aproveita a expressão para elogiar a hospitalidade do povo cuiabano, que recebe bem seus migrantes, uns que chegam e criam raízes e outros que rapidamente passam. Segundo o diretor, é preciso entender que a Cidade Verde não tem como característica um turismo de férias, como no Rio de Janeiro ou em Salvador. Mas, durante todo o ano o setor de negócios e a prestação de serviços fomentam a economia, ou seja, para Okamura, é disso que vive a Capital, desse entra-esai de gente, e não da agricultura, como os outros municípios de Mato Grosso.
Reviravolta
Um recente estudo da professora Sônia Regina Romancini, coordenadora do Grupo de Estudos sobre Cidades e Novas Territorialidades (UFMT/CNPq), revela a nova identidade cuiabana através do olhar arquitetônico. O levantamento abrange a explosão demográfica, o aumento populacional que ocorreu no município de Cuiabá nas últimas décadas e as propostas dos planejadores urbanos para direcionar seu crescimento. Baseada em geógrafos, arquitetos e urbanistas, a professora aborda um tema que é a preocupação das autoridades de Cuiabá, inúmeras vezes citado pelo atual prefeito, de Cuiabá, que é o crescimento que ocorreu sem planejamento.
Para Sônia, com o recente o aumento populacional os novos loteamentos começaram a surgir além da então “avenida-limite” Miguel Sutil, beneficiando os proprietários de terras. Além dos loteamentos aprovados pela prefeitura a cidade expandiu-se em consequência dos loteamentos irregulares e das ocupações urbanas. A estimativa, segundo dados da prefeitura, é de que pelo menos 40% dos bairros não estejam regularizados. De acordo com Sônia, apesar do grande crescimento, a cidade é fragmentada por espaços descontínuos e também é fragmentada socialmente, porque as classes sociais consomem parcelas diferenciadas. A professora identifica a cidade como uma metrópole regional, já que é referência em diversos setores para o interior, para outros Estados e para os países vizinhos. Ela exemplificaa busca pela saúde, educação, serviços que sobrecarregam a cidade que mal dá conta de sua própria demanda. Apesar dos problemas da cidade, a professora destaca a generosidade dos cuiabanos e seus espaços de festas, especialmente as do catolicismo popular, e as danças do Cururu e Siriri. Essa paisagem simbólica, que remete à identidade cuiabana, revela o patrimônio cultural que propicia um elo entre o passado, o presente e o futuro da cidade.
Centro da cidade de Cuiabá durante a década de 1980.
Festival de Cururu e Siriri em Cuiabá
Nesse foco, a rede de hotelaria tem investido e nos próximos dias será inaugurado um novo empreendimento cinco estrelas. Alguns hotéis da capital estimam que cerca de 80% da ocupação são de turistas de negócios.

Centro de Eventos do Pantanal.
Em apenas um caso, em 2008, por exemplo, a Expo Brasil Desenvolvimento Local, atividade realizada pela instituição, governo de Mato Grosso e Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS), no Centro de Eventos do Pantanal, proporcionou público nacional e internacional de 12 mil pessoas em três dias. Um recorde para uma atividade realizada desde 2002 e cujo pico de participação chegou a 3 mil pessoas em capitais e metrópoles do Brasil. O Sebrae atua como uma das difusoras desse tipo de turismo em Mato Grosso devido ao centro de que dispõe com capacidade total para cerca de 10 mil pessoas simultaneamente em seus espaços de pavilhão de feiras, salas e auditórios. De acordo com dados da instituição, foram realizados no ano passado em seu espaço 249 eventos em Mato Grosso, dos quais 57 identificados como convenções e congressos. O volume de atividades proporcionou a participação total de 329.675 pessoas – contra 302.508 pessoas há dois anos.

As demandas por investimentos em infraestrutura e os atrativos da diversidade cultural e ambiental de Mato Grosso (Amazônia, Cerrado e Pantanal) têm incrementado recentemente o turismo de negócios e eventos no Estado. No ano passado, o segmento gerou cerca de 12 mil empregos e um impacto de R$ 19,06 milhões na economia local. Em 2007, o movimento do turismo de negócios e eventos atingiu R$ 18,269 milhões, segundo dados do Sebrae/MT. Em apenas um caso, em 2008, por exemplo, a Expo Brasil Desenvolvimento Local, atividade realizada pela instituição, governo de Mato Grosso e Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS), no Centro de Eventos do Pantanal, proporcionou público nacional e internacional de 12 mil pessoas em três dias. Um recorde para uma atividade realizada desde 2002 e cujo pico de participação chegou a 3 mil pessoas em capitais e metrópoles do Brasil. O Sebrae atua como uma das difusoras desse tipo de turismo em Mato Grosso devido ao centro de que dispõe com capacidade total para cerca de 10 mil pessoas simultaneamente em seus espaços de pavilhão de feiras, salas e auditórios. De acordo com dados da instituição, foram realizados no ano passado em seu espaço 249 eventos em Mato Grosso, dos quais 57 identificados como convenções e congressos. O volume de atividades proporcionou a participação total de 329.675 pessoas – contra 302.508 pessoas há dois anos. A cidade cosmopolita carrega cuiabanos de todas as identidades. Alguns deles se destacam pela dedicação e pelo amor à terra em que nasceram. É o caso do agrimensor Ramis Bucair, criador do Museu de Pedras que leva seu nome. Em homenagem à sua cidade natal, no dia 08 de abril de 1959, por ocasião dos 240 anos da Fundação de Cuiabá, Ramis abriu as portas para o público visitar sua coleção particular. São cartas e mapas antigos, artefatos indígenas, animais empalhados, fósseis de peixes, crustáceos, pedras com inscrições rupestres. Muitos tipos de rochas, pedras preciosas e semipreciosas, aspectos da formação geológica de Mato Grosso, recolhidas por Bucair em suas andanças pelo Estado. De lá para cá, são 50 anos de museu, comemorados na data do aniversário de Cuiabá, e o agrimensor se orgulha de ser testemunha viva da importância do trabalho de demarcação, realizado pelo Exército Brasileiro através do Marechal Cândido Rondon.
Em seu escritório, ele que é espeleólogo, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, fundador e atual presidente da Sociedade dos Amigos do Marechal Rondon e do Museu de Pedras Ramis Bucair, guarda como um troféu valioso o teodolito, equipamento que o Marechal Rondon usou percorrendo 8 mil quilômetros instalando a linha telegráfica e desbravando cerca de 500 mil quilômetros quadrados do Centro-Oeste brasileiro. Ao lado de seu troféu fica pendurado na parede o mapa de Mato Grosso, batizado à época com o nome de “Carta
do Estado de Mato Grosso e Regiões Circunvizinhas”, autografado por Rondon. Apesar de tanta história para contar, Bucair não faz o tipo saudosista e quer ver seu berço progredir. Ele estima que Cuiabá tenha, rumo aos seus 300 anos, um crescimento que nunca se viu antes na história.
Em 1971 o 9º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) se instalou em Cuiabá com o objetivo de construir e pavimentar a BR-163, que liga Mato Grosso a Santarém, no Pará, e de conservar a BR-364 MT. Com a tarefa concluída, civis e militares continuaram na capital mato-grossense realizando diversas obras no Estado e na Capital. Desde então, os militares preservam a história da Cidade Verde e de Mato Grosso. Nesse espaço histórico está registrado o legado para que as novas gerações conheçam sua trajetória. Para o comandante do batalhão, tenente-coronel Fernando Miranda do Carmo, o passado deve ser o alicerce para a construção do presente e do futuro. Em Cuiabá, o BEC realizou algumas obras: Praça das Bandeiras, Estação de Tratamento D’água do Tijucal e casas do bairro Pedra 90. Na cidade vizinha, o antigo aeroporto de Várzea Grande também é obra do Exército. “Onde há um batalhão de engenharia de construção existe a possibilidade de diversas parcerias - municipais, estaduais e federais - que permitem a participação ativa na vida da comunidade”, disse o comandante. No início da década de 1970, por ocasião da abertura da BR-163, houve a necessidade de destacamentos, locais onde os efetivos do batalhão ficavam estacionados. Além das mudanças significativas na capital, diversas cidades do norte do Estado tiveram a partir daí seu surgimento, como no caso de Sinop e Lucas do Rio Verde. Com a implantação da rodovia, diversas pessoas, sobretudo do sul do país, vieram “arriscar” a vida ao longo da BR-163, que ainda hoje segue em obras no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Diversos servidores civis que vieram do Rio Grande do Sul e de outros Estados com o batalhão, ao se aposentarem também passaram a residir em Cuiabá e em outras cidades de Mato Grosso.
“Somos nós cuiabanos uma raça em extinção. Mas, isso não tem jeito, já faz algum tempo que começou a miscigenação e isso não é uma perda, é simplesmente uma nova identidade. Cuiabá é essa mistura, é terra de toda gente”, disse Bucair. O histórico cuiabano preserva hábitos antigos e é frequentador assíduo do bar mais tradicional da capital. Aos sábados e domingos, mais precisamente na mesa 19, ele está lá, reencontrando velhos e novos amigos, e faz questão de olhar ao seu redor e constatar que a quantidade de forasteiros é muito mais do que os “tchapa e cruz” (cuiabanos de famílias tradicionais).
Dos bororos aos migrantes

Cuiabá, dos Bororos, Ykuiapá - Rio do Chão de Estrelas, fundada em 1719 por Miguel Sutil, tem diversos outros nomes: Cidade Verde, Noiva do Sol, Morada do Ouro, Capital do Pantanal. Em 14 de agosto de 1968, com duas descargas de dinamite, vieram abaixo os paredões de barro e cascalho socados, do principal patrimônio histórico colonial de Cuiabá, a Igreja Matriz do Senhor
Bom Jesus de Cuiabá, representando um marco na modernização urbanística da cidade. Na década seguinte, Cuiabá sofre os impactos das transformações do Centro-Oeste Brasileiro, como a construção de Brasília e os Programas de Integração Nacional dos Governos Militares.
O sonho de grande cidade foi mudando a face de Cuiabá. Quem antes deixava o arroz cozinhando na panela enquanto ia pegar o peixe no Rio Cuiabá, hoje compra peixes de tanque. A cidade foi aos poucos se tornando uma terra de oportunidades para todo o Brasil, lugar de aventureiros e de enriquecimento fácil no imaginário popular, a própria reinvenção do mito do Eldorado Perdido que motivou as descobertas de ouro nessa região em 1719 pelo bandeirante Pascoal
Moreira Cabral. Esse pedacinho da história é contato pelos professores universitários Suelme Evangelista Fernandes, mestre em história, e por Marta Maria Darsie, doutora em educação
pela UFMT. “Na época da destruição da matriz, os poucos habitantes não nascidos na cidade eram identificados pela cultura popular como paus-rodados, hoje em dia esse grupo cresceu tanto que já não seria possível identificar quem aqui nasceu ou quem na cidade chegou”, disse Suelme.
Os antigos casarios coloniais foram aos poucos perdendo espaço. O sonho da realização profissional traz muita gente de fora, que ao chegar é acolhida e ainda encontra o jeito cuiabano de falar e de viver. No meio dessa miscigenação cultural ainda se mantém a devoção ao negro São Benedito, apreciam-se o suco de caju, o guaraná ralado, a paçoca de pilão, a cabeça de pacu (peixe típico do Pantanal), a farofa de banana, a Maria Isabel (arroz com carne-de-sol), e as tradicionais manifestações musicais, como rasqueado, siriri e cururu.
Apesar do nítido desenvolvimento do setor de serviços, base econômica atual do município, movimentado pelo agronegócio, a cidade ainda possui grandes possibilidades econômicas, tendo como uma das alternativas o beneficiamento da produção agrícola, principalmente da soja e do algodão, motivando seu processo de industrialização.
“Após quatro décadas a cidade se transformou, de uma modesta capital do interior do Brasil com hábitos e costumes pantaneiros, numa cidade moderna e arrojada com mais de 500 mil habitantes. Cuiabá dos filhos cuiabanos aqui nascidos e filhos adotados – advindos das diversas regiões do país, a Cuiabá de todos nós”, completou a professora Marta.
Cuiaba Cuiabá e o sonho da industria O processo de industrialização e o turismo para a geração de empregos para a população cuiabana é uma das necessidades urgentes apontadas pelos moradores da capital. Geração de emprego e renda para melhoria da qualidade de vida é uma das apostas que faz a professora Marta Maria Darsie para o futuro de Cuiabá, e acrescenta: “A educação tem papel fundamental nesse processo”. O historiador Suelme, ao relembrar a história de Cuiabá, manifesta a importância da preservação de suas raízes e da memória na revitalização dos espaços públicos, “em especial do Centro Histórico da capital”, diz ele. A indústria é um grande sonho, assim como a enorme vontade de ver consolidado o turismo ecológico, já que Cuiabá é o portal de entrada de três importantes biomas brasileiros: Amazônia, Cerrado e Pantanal, além de estar localizada a 60 quilômetros do Município de Chapada dos Guimarães, um dos mais bem conservados parques ecológicos brasileiros. Apesar de ser responsável pela parte cultural da capital pantaneira, o historiador Paulo Pitaluga Costa e Silva, secretário estadual de Cultura, comunga da mesma opinião. Paulo é autor de 23 obras sobre as peculiaridades da história e do comportamento de Mato Grosso. Ele faz uma projeção futurista e participa do sentimento comum da população de que é importante incentivar o crescimento de indústrias em Mato Grosso. Para o secretário, a “Copa do Pantanal” trará investimentos em infraestrutura, como a construção de viadutos e metrô de superfície, e mudará todo o rumo, que ficará marcado na história como o “antes” e o “depois” de Cuiabá. A estimativa inicial são investimentos de aproximadamente R$ 1 bilhão na preparação da cidade para a “Copa do Pantanal”, que prevê a ampliação do aeroporto e a inclusão de voos internacionais, a vinda da Ferronorte, a revitalização do Centro Histórico e os investimentos na infraestrutura urbanística.
Ferronorte


